Consciência e Liberdade

Consciência e Liberdade são características essenciais do ser humano. Elas se relacionam uma com a outra, pois não havendo consciência, não pode haver liberdade e, em contrapartida, é difícil considerar um ser consciente que não conquiste sua liberdade. Primeiramente, trataremos da consciência, depois da liberdade.

Consciência

1. Inserido no complexo das situações que a definem e a delimitam, o homem assume livre e conscientemente a existência.
Lançado na existência, em meio a outros seres, é consciente de suas realidades interiores; é consciente dos seres que, sendo exteriores, consigo estão relacionados.
Em contato com determinado ser, estabelece com o mesmo, através do ato do conhecimento, uma relação na qual é o sujeito e o outro, o objeto.
Seus atos cognitivos são realizados através dos sentidos, da abstração e da intuição.
Através dos sentidos recebe sensações que possibilitam o conhecimento atual das qualidades acidentais dos objetos. A observação cuidadosa e meticulosa, como nas experiências científicas, propicia um conhecimento mais completo e objetivo do objeto observado. Mas, mesmo a mais perfeita das observações, nunca é totalmente objetiva, porque incluem nelas um pouco da perspectiva e do ver do próprio observador.
Os sentidos captam as qualidades dos objetos que nos são exteriores, possibilitando o conhecimento dos mesmos; mas o conhecimento sensitivo, não penetrando a essência dos seres, permanece exterior.
Pela recordação de qualidades sensitivas de objetos apreendidos no passado ou, quando pela imaginação, o homem cria figuras fantásticas, êste conhecimento permanece no domínio do sensível.
Desde que os objetos não sejam atingidos além das qualidades sensíveis e acidentais, seu conhecimento permanece sensitivo; não sendo necessário o ser atual, nem o proceder do mundo exterior.
2. Quando em presença da realidade, o homem não se limita ao conhecimento do particular, é capaz de estabelecer com os seres exteriores, relação de natureza universal.
Pela abstração dos dados que lhe são fornecidos pelos sentidos, chega ao conhecimento da essência dos seres, sob a forma de conceitos universais.
Realizado pelo intelecto, o conhecimento abstrativo supera o sensitivo, porque: o abstrativo atinge a essência, o sensitivo permanece nos acidentes; o abstrativo é imaterial, o sensitivo material; o abstrativo, universal; o sensitivo, particular; o abstrativo, criador; o sensitivo, estéril.
É raciocinando com os conceitos universais, que ao homem é possível o progresso. A ciência a arte, a filosofia, a religião, a tecnologia, etc. pressupõem o raciocínio.
Para a formulação dos conceitos e a sua utilização, são necessárias as captações pelos sentidos das qualidades aparentes dos seres exteriores e, a participação do sujeito cognoscente através de predisposições que lhe são inatas.
Sòmente porque capaz de raciocinar, o homem pode dizer-se consciente; sem a capacidade abstrativa, as imagens captadas pelos sentidos seriam vazias de significado.
Raciocinando através de idéias universais, o homem encontra-se em meio a seres particulares, O conhecimento abstrativo propicia a compreensão da essência dos seres; mas, permanece exterior e incapaz de penetrar em sua individualidade.
Embora reconhecendo a grande importância do conhecimento abstrativo, é preciso reconhecer que, só com ele, o homem seria incapaz de penetrar no mistério de sua existência e de sua vida.
3. O conhecimento dos seres, não se limita ao conhecimento de suas qualidades acidentais; não se limita, também, ao conhecimento universal e abstrato de sua essência. Se assim fosse, nosso conhecimento, como afirmou Kant, permaneceria no “fenômeno”, não atingiria o “numeno”.
Pela intuição o homem é capaz de penetrar profundamente o interior de determinados seres e, conhece-los em sua essência individual.
Com Bérgson afirmamos que a intuição é o instinto tornado consciente, é “o conhecimento do espírito pelo espírito, o espírito visto pelo espírito desde o espírito, e não o espírito visto de fora do espírito” (Diamantino Martins – Bérgson – p. 33).
O conhecimento intuitivo supera o sensitivo, porque vai além dos acidentes, penetrando a própria essência; supera também o abstrativo, porque conhecendo os seres particulares, não permanece no domínio do abstrato, mas situa-se na realidade.
O conhecimento intuitivo não é o conhecimento do particular, nem o conhecimento do universal; é o conhecimento do universal realizado no particular, mais precisamente é o conhecimento do “pessoal”.
O conhecimento intuitivo é um conhecimento vivo, interior e amoroso. Porque, realizado diretamente de interior a interior, no próprio realizar-se da ação.
Quando através da intuição, o homem penetra a essência, enquanto realizada num ser determinado, o conhece como um ser existente e não abstratamente. Penetrando a realidade de determinado ser, é consciente de seu realizar-se, capta o produzir-se da ação. O conhecimento intuitivo é dinâmico e interior.
Através da abstração deduzo a causa dos efeitos ou, os efeitos da causa; sou incapaz de coincidir com o próprio produzir-se do efeito. O conhecimento abstrativo é estático e exterior.
A intuição permite ao homem, penetrar a alma daqueles que ama, compreender seus pensamentos e sentimentos, antes que sejam expressos pela palavra.
O homem é capaz de intuir uma realidade, mas permanece incapaz de transmitir a realidade de sua intuição. Para fazê-lo necessita usar palavras, e a palavra é o sinal do pensamento abstrato. O conhecimento intuitivo, enquanto tal, é intransmissível.
4. Os sentidos, a abstração, a intuição participam de todos os atos cognitivos. O conhecer é uno e indivisível, contendo em seu interior três diferentes aspectos; o sensitivo, o abstrativo e o intuitivo.
Quando se é consciente de um ser, este ou aquele aspecto pode predominar, mas os três encontram-se presentes.
Dirigindo seu conhecimento para o exterior, o homem torna-se consciente de outros seres, estes são penetrados em sua essência, mas permanecem exteriores e distintos de seu “eu”. Pode conhecê-los, mas não os absorve, nem por eles é absorvido.
Voltando-se para seu próprio interior, procurando conhecer-se, é ao mesmo tempo sujeito e objeto do ato cognitivo. De modo similar ao conhecimento dos seres exteriores, o autoconhecimento é sensitivo, abstrativo e intuitivo.
Objeto central do conhecimento, a essência dos seres é conhecida imediata e absolutamente. Este conhecimento é conforme a capacidade cognitiva de cada pessoa, mas atinge a essência, tal como esta se realiza na existência.
É o aspecto intuitivo do conhecer, permitindo o cognitivo-coincidir do “eu” com o ser de que é consciente, que propicia o conhecimento dos seres tais como são em si e como existentes. Sem o aspecto intuitivo, o conhecimento dos seres exteriores, enquanto existentes, seria impossível; poder-se-iam apenas captar as aparências, o fenômeno, não a essência, nem a existência.
Negar a intuição é negar a capacidade de conhecermos o que nos é exterior, em sua essencial-existência; é reduzir o conhecer ao conhecimento do ser em suas aparências fenomenológicas e ao conhecimento de conceitos puramente abstratos.
É conveniente, no entanto, não se esquecer de que a intuição é apenas um dos aspectos do conhecer, e deve ser considerada incluída, juntamente com os demais aspectos, na unidade indivisível do Conhecer.
É o ato de conhecer em sua totalidade que nos permite afirmar nossa própria existência e nosso próprio ser, assim como a existência e o ser dos seres que nos são exteriores.
5. Sendo o homem um ser-contingente, é limitado em sua essência, assim sendo seu conhecimento é limitado e imperfeito.
O conhecimento do que é sensível e acidental é imperfeito. Através dos sentidos percebem-se as qualidades sensíveis dos objetos, mas, mesmo supondo observações acuradas, muitos detalhes permanecem desconhecidos. Vibrações ultra-sonoras, raios infravermelhos ou ultravioletas, o átomo e a imensidade do Universo, etc. escapam a observação sensível, suas realidades apenas podem ser constatadas com a ajuda de aparelhos ou de cálculos e raciocínios abstratos.
Circunstâncias diversas influenciam em nosso conhecer, também existem diferenças no conhecer de diferentes pessoas. O próprio conhecimento é constantemente aperfeiçoado pelo raciocínio e pela observação, contudo permanece sempre limitado. O conhecimento conceitual ou intuitivo, da essência dos seres, não esgota toda a sua compreensibilidade.
Esta limitação e imperfeição do conhecer, não o invalida. É um desafio constante para aumentarmos cada vez mais os limites do nosso conhecimento.

Liberdade

Trataremos o tema da Liberdade sob três aspectos;
a. – A Liberdade é uma conquista que devemos desenvolver, não é algo que nos pertence de forma pronta e acabada.
b. – A Liberdade não é absoluta, mas realiza-se encarnada numa realidade existencial, em outras palavras é Liberdade em situação.
c. – A Liberdade traz consigo a responsabilidade, o homem é responsável por sua decisões e por seu agir.
Não esquecendo que para ser livre é preciso ser consciente, penso que êstes três aspectos que abordaremos constituem o núcleo essencial do que seja a Liberdade.
a. O homem nasce determinado por seus limites e por suas condições existenciais, porém potencialmente capaz de alcançar a Liberdade.
O homem não é consultado sobre o querer ou não querer existir. É lançado na existência sem que isto dependa de sua vontade; desta não dependem também as condições e limitações de seu existir.
Não somente lançado na existência, mas, nela sustentado, o homem não escolhe o existir, nem pode escolher o não existir. Todas as qualidades próprias à essência humana e, aquelas pertencentes à sua própria individualidade antecedem o exercício de sua vontade. Sua existência é uma existência determinada: não pode recusá-la, nem modificá-la em suas características essenciais.
Não obstante o homem nasceu para ser livre e, sua liberdade deve conquistá-la com todo o vigor de seu ser.
Não podemos dizer que a criança quando nasce é livre, quando chora por comida, o faz em resposta a exigências de seu organismo. Em fase de crescimento e de maturação é dependente e apenas responde a estímulos ou a ordens, mas gradativamente vai desenvolvendo sua vontade. Assim como se apreende a conhecer, apreende-se também a querer.
Um pássaro encerrado numa gaiola está preso; solto, é livre para voar. O homem, estando prisioneiro num estabelecimento prisional, ou limitado por normas de conduta que o limitam almeja ser livre como um pássaro, livre para voar. Mas esta não é a verdadeira liberdade humana. O pássaro ao voar, o faz por um ato de sua vontade ou, levado pelo instinto de sobrevivência?
Também a liberdade que nos concede a sociedade, a lei e a justiça, a liberdade de termos respeitados nossos direitos, embora importantes para nossa vida em sociedade, não é liberdade existencial; é liberdade convencional.
A liberdade que o homem almeja, a liberdade que lhe é essencial, é a de realizar-se como ser humano; é a de tornar-se responsável por si próprio, porque criador de seu próprio “eu”.
Esta liberdade que ignora todos os limites, que afirma ser livre mesmo o escravo e, que sem ela o próprio senhor é escravo; esta liberdade que proporciona ao homem dominar-se a si próprio e a afirmar-se, seja qual for a situação em que se encontre; esta liberdade deve ser conquistada durante todo o transcorrer da existência e, começa com as pequenas escolhas do dia a dia em que nos afirmamos e afirmamos o nosso querer em meio à situação em que existimos e as influencias que nos limitam. Esta liberdade que toma consistência, naquelas decisões que determinam e norteiam a nossa caminhada em busca da auto-realização, é uma conquista contínua, durante toda a nossa vida.
Estamos continuamente a conquistar a Liberdade, porque, sempre nos encontramos frente a novas situações e a novos desafios; que precisamos superar, para não termos nossa liberdade enfraquecida pelos novos condicionamentos.
A Liberdade é uma conquista contínua que cresce e se robustece a cada batalha vencida. A conquista da Liberdade nunca é definitiva, se nos descuidarmos, pode tornar-se débil; quando nos deixamos escravizar pelos vícios, pelo egoísmo, pela vaidade e pelo orgulho.
O homem verdadeiramente livre é aquele que não se deixa vencer e, que persegue esta conquista até a morte.
b. A existência do homem é um constante realizar de sua liberdade. Ele a realiza consciente das limitações interiores, consciente de condicionamentos exteriores. Não obstante condicionado e limitado por diversos fatores, é livre.
Capaz de conhecer, também capaz de escolher. Limitado em seu conhecimento, limitado também em sua escolha. Livre e determinado, o homem é ao mesmo tempo Senhor e Escravo.
Senhor, quando através de sua vontade decide agir desta ou daquela maneira, sem estar forçado a esta decisão. Escravo, quando fatores diversos obrigam-no a agir de determinado modo, independentemente de seu querer.
Do mesmo modo que a Consciência, a Liberdade lhe é essencial. Agindo consciente e livremente, afirma sua própria dignidade.
Embora suponha a Consciência, porque Liberdade e Inconsciência são contraditórias entre si, o ato livre é ainda mais elevado e mais digno que o próprio ato de conhecer.
No ato cognitivo, o objeto se impõe ao sujeito; no conhecer, o sujeito é modificado pelo objeto, não pode modificá-lo; no ato volitivo, é o sujeito que se impõe ao objeto, o querer reside totalmente no interior do sujeito.
A Liberdade humana pertencendo à sua natureza é como esta, imperfeita e limitada. Inicialmente, o homem em seu agir é condicionado por sua própria constituição essencial e, por sua realidade existencial. Existindo no mundo, existindo entre os homens, existindo em determinada época, seu decidir e seu agir sofrem influencias de fatores ambientais, sociais e históricos.
Limitado por um complexo de fatores, o homem permanece livre; capaz de escolher, não é determinado a agir fatalisticamente frente a determinadas situações. Muito difícil, praticamente impossível, é determinar em suas ações, o que se deve aos fatores condicionantes, o que se deve ao livre exercício da vontade.
Uma escolha inconsciente não é uma escolha livre; o homem é livre, no entanto, para escolher contra seu conhecer. Frente a uma alternativa, conhecendo racionalmente, qual a melhor decisão a tomar, pode decidir-se pela outra.
A ação humana não é apenas resultado de seus condicionamentos quer sejam externos ou internos, mas pela liberdade realiza “valores” que realizam e humanizam todo o seu “mundo”.
Por ser consciente e livre, o homem agrega “valores” à realidade e, assim, contribui, com sua criatividade, para dar a essa mesma realidade, uma face humana, participando assim de seu continuo criar-se; apesar de tôdas as limitações e condicionamentos que influenciam o ser do próprio homem.
c. Sendo livre, o homem é responsável. Quanto mais se é livre, mais se é responsável. Em seu livro Terra dos Homens, Antoine de Saint Exupéry nos diz que “ser homem é precisamente ser responsável”.
O homem é responsável por suas ações e pelas conseqüências das mesmas. Quando uma ação tem bons resultados, o mérito é de quem a praticou; se os resultados foram maus, deve corrigi-la ou sofrer a conseqüente punição.
O homem é responsável por sua palavra: se prometer algo, deve cumprir o prometido; se afirmar algo, deve ser verdade; se for mentira, é culpado perante quem foi enganado.
O homem é responsável pelo próximo: se dotado de autoridade, pai, professor, empresário, etc. responsável por quem lhe é subordinado; se for homem público político, artista, comunicador, etc. responsável pelos efeitos de seus atos e pronunciamentos para com as pessoas que o seguem ou admiram; se é testemunho de outrem, responsável pelo seu agir naquilo em que afiançou.
Mas, sobretudo o homem é responsável perante si próprio e perante a verdade de seu existir. Neste caso, sua responsabilidade é total, mas, apenas com respeito ás suas ações livres, na medida em que são livres. Sòmente o agir livre é que traz a conquista da Liberdade e contribui no criar do “eu” interior, que faz nascer o verdadeiro Homem.