Parte 1 - Essência e Existência

Preliminares:

Ao refletirmos, fazemo-lo através de conceitos. São os conceitos inatos, como afirmam Platão e Santo Agostinho entre outros? ou nos são dados através da abstração dos dados dos sentidos, como querem os tomistas e os empiristas, por exemplo? ou os intuímos, quer na realidade sensível quer em nosso interior, como por exemplo em Bérgson?
Não vamos nos preocupar em dirimir as questões acima, muito menos com o célebre problema dos universais já tão bem explorado, principalmente na filosofia medieval. O fato é que é com os conceitos ou, se preferirem com as idéias, que os homens raciocinam e que a ciência e outras áreas do conhecimento têm-se desenvolvido.
Mas todo esse conhecimento baseado nos conceitos permanece abstrato, digo abstrato e não teórico, porque ninguém pode negar as conseqüências práticas das diferentes teorias científicas e filosóficas, principalmente nos campos da tecnologia, das ciências humanas, do direito e da conduta do homem. Mas, a existência em seu realizar-se lhe escapa e, quando tratada conceitual e abstratamente, solidifica-se, torna-se como que embalsamada.
Haverá outro caminho para penetrarmos no puro existir? Desde muito que vários pensadores nos apontam êste caminho, que, no entanto, ainda não foi suficientemente explorado e nem mesmo notado e levado em consideração por muitos dentre aqueles que nos orientam o pensar e o agir.
Vejamos alguns exemplos, sem nos aprofundarmos.

1. - Blaise Pascal

Ninguém pode negar-lhe seu conhecimento científico, nem sua vivência religiosa. Vendo que nem todas as questões poderiam ser tratadas da mesma maneira, distingue o “Esprit de géometrie e o Esprit de finesse”, a razão geométrica e a razão do coração. Conhecida por todos é sua célebre frase “O coração tem razões que a própria razão desconhece”

2.- Henry Bergson 
Para Bérgson, o conhecimento instintivo, particularmente desenvolvido nos insetos, atinge a realidade por dentro, coincide com a própria realidade, muito embora êsse conhecimento seja limitado aos fatos que lhe dizem respeito. O conhecimento instintivo é um conhecimento por simpatia, porém o instinto não é consciente do que conhece,
A inteligência ao contrário é formal: apenas percebe os seres do exterior em suas relações. No entanto, a inteligência leva grande vantagem sobre o instinto em ser vazia e por isso mesmo pode preencher-se de tudo, mesmo do que é inútil. A inteligência possui em si mesma a possibilidade de superar-se.
Qual seria o caminho para o progresso da metafísica, segundo Bérgson?
Êste caminho seria o do instinto, porém o do instinto tornado consciente. Mais precisamente, o progresso da metafísica deve ser feito pela intuição.
Bérgson defende que por dois modos diferentes podemos atingir a realidade; ou por abstração, por meio da qual chegaríamos ao conhecimento das causas, partindo de considerações sobre os efeitos; ou então, procurando coincidir com esses efeitos e assim experimentar o próprio surgir dos mesmos.

O primeiro é o método da inteligência discursiva, e por ele, abstraindo o universal do particular, teríamos uma visão superficial da realidade, percebendo só as relações entre os objetos como que vistos por fora.
Pelo segundo, que é o método da intuição, atingiríamos pela experiência a própria realidade. Nosso conhecimento, embora não exaustivo, seria absoluto, porque a atingiríamos por dentro.
Para Berson, a metafísica, ao conhecer as coisas, deve penetrar nelas e não ficar andando a sua volta.
O que deve ser feito pelo filósofo é o estudo do ser enquanto tal ser e, não do ser enquanto ser, o estudo do ser concreto e não o estudo do ser em abstrato.
O conhecimento do filosofo deve penetrar o interior mesmo dos seres, é “o conhecimento do espírito pelo espírito, o espírito visto pelo espírito desde o espírito, e não o espírito visto de fora do espírito” (Diamantino Martins – Bérgson – p. 33).
É através de uma volta sôbre nós mesmos que intuímos nossa própria realidade e penetramos no interior da matéria e da vida que encontramos em nós. A partir dessa intuição de nós mesmos é que podemos conhecer, intuitivamente, a matéria e a vida em geral.
Quando num esfôrço intuitivo penetramos em nós mesmos, quando coincidimos com nós próprios, percebemo-nos num contínuo mudar; percebemo-nos como um devir incessante, a cada instante que passa somos diferentes daquele que fomos.
Êste mudar, êste devir contínuo que intuímos em nós, e que intuímos também em toda a realidade, que é força criadora, é o que Bérgson chama de “élan vital”.

3. – Gabriel Marcel
É fundamental no pensamento de Gabriel Marcel sua distinção entre problema e mistério, que tentaremos expor aqui.
O problema é tudo aquilo que é colocado à nossa frente para ser resolvido, pode ser simples como os de nossa vida cotidiana, como saber se com $20,00 poderemos adquirir três objetos que custam $6,00 cada, ou complexos e difíceis, como os problemas da política econômica, da astronomia ou da química quântica. Mas, todos comportam soluções, embora algumas destas ainda possam não estar ao nosso alcance pelo nosso atual nível de conhecimento e, talvez nunca o estejam por sua grande complexidade.
O Mistério, ao contrário não pode ser focalizado de fora como o Problema, porque nos envolve, dêle participamos, não comporta soluções porque faz parte de nossa vida. O mistério propicia um encontro de nós com nós mesmos, com o outro e com Deus. O mistério, ou o aceitamos e acolhemos ou o recusamos; nunca o solucionamos.
De modo análogo, Marcel distingue também a dimensão do ser e a do ter. Nesta é o reino do problema, e o que prevalece é a conquista, o domínio, o lucro, o interesse, etc. Na dimensão do ser reina o mistério, e nela prevalece a fidelidade, a esperança, e o amor.

4. - Martin Buber
Martin Buber recusa a relação sujeito-objeto como único princípio da reflexão filosófica. Para Buber, o “eu” pode relacionar-se com o que lhe é exterior através das palavras fundamentais “eu-tu” e “eu-isso”.
“Eu-isso” está na gênese da objetividade que implica cisão e, sustentando-se na lógica sujeito-objeto, suscita o egocentrismo. Esta relação é a base das relações entre o eu e as coisas, mas, muitas vezes, é usada também na relação com o outro, quando êste é coisificado. Nas relações cotidianas em que o homem assume papéis diversificados, tais como paciente, cliente, transeunte, usuário, etc., etc. a relação “eu-isso” é necessária. Também nas ciências humanas e biológicas, esta relação se torna igualmente necessária.
Mas, o homem não é objeto recortado entre outros, a categoria que permite apreendê-lo não é a substância, mas a relação. E, “eu-tu” é o par mais apto para oferecer o sentido da relação, nêle surge a reciprocidade.
Quando se relacionando com um Tu, o Eu o faz através da palavra fundamental “eu-tu”, o outro passa a ocupar tôda a atenção do eu e, os demais seres passam para um segundo plano, como que formando a paisagem de fundo para o tu que se torna o único. Neste caso, não objetivamos mais o tu em seus diferentes papéis, mas o percebemos como uma presença única e pessoal. No entanto, a relação “eu-tu” se desvanece e logo se degrada numa relação “eu-isso”. Se bem compreendi o pensamento de Buber, somente o Tu eterno permanece sempre, nunca se degradando num “isso”.
Martim Buber considera que a noção do “entre”, capta a vida dialógica, sem deformar a alteridade constituinte e mostra a reciprocidade interpessoal.

5. - Gabriel Madinier
Para Gabriel Madinier, é o amor que nos permite penetrar a intimidade do outro e assim conhecê-lo melhor; é ao amor que compete a tarefa de criar, de inventar o tu como único interlocutor válido, ou seja, de o querer como sujeito, como pessoa, capaz de autêntico diálogo com o eu. Amar será, portanto, querer e promover mutuamente “um eu para ti e um tu para mim” na intimidade e comunhão de um nós.

6. – Maurice Nédoncelle
É na intersubjetividade e através da ação do amor que Nédoncelle encontra o caminho para a essência dos seres, sem nos atermos ao conhecimento puramente abstrato e conceitual.
Nédoncelle afirma a reciprocidade como um dado inerente da consciência pessoal onde o tu exerce uma função essencial. Sendo o Amor que nos permite o relacionar-se efetivo e positivo entre o eu e o tu.
O eu que ama quer, acima de tudo, a existência e o desenvolvimento autônomo do tu. Mas esta relação é perfeitamente reversível, por isso é indiferente partir do eu ou do tu, na medida em que o tu é um alter-ego. O amor é assim energia realizadora que aspira a que o outro se torne liberdade infinita e vice-versa, por isso ele é promoção, bem querer mútuo.
Na raiz da relação intersubjetiva há indissoluvelmente uma intelecção e um querer, e êste pensamento-ação desenvolve necessariamente o sujeito que ela percebe... esta bondade ontológica, que se pode assim dizer, é recíproca.” (Intersubjectivité et ontotogie).

7. –Existencialistas
Dada as suas divergências e originalidades, não se pode tratar os diversos pensadores existencialistas num único todo; mas o que pretendemos aqui é apenas uma simplificada visão daquilo que caracteriza o enfoque e a perspectiva existencialista.
De uma maneira geral, os existencialistas, partindo da precedência da existência sobre a essência, consideram os seres a partir da experiência que dos mesmos se faz.
Na consideração da existência, os existencialistas focalizam sua atenção no homem e tudo lhe é relacionado. Mais, o existente concreto é uma liberdade que se afirma, liberdade que é seu próprio fundamento.
Segundo Régis Jolivet, nós podemos definir o existencialismo “como o conjunto de doutrinas segundo as quais a filosofia tem como objetivo a análise e a descrição da existência concreta, considerada como ato de uma liberdade que se constitui afirmando-se e que tem ùnicamente como gênese ou fundamento esta afirmação de si”. (As Doutrinas Existencialistas – p. 22).
O existencialismo procura conhecer o homem e através do homem os seres e o Ser, a partir da existência. É a intuição do meu existir que me leva ao conhecimento metafísico e existencial.

8. – Pensamento Oriental
Será válido considerar num só bloco o pensamento do hinduismo, do budismo, do jainismo, do confucionismo, do taoísmo, do zoroastrismo, além de outros?
É evidente que não, mas num ponto quase todos os grandes pensadores e as escolas do pensamento oriental têm em comum. Evitam o pensamento lógico conceitual, e fundamentam-se na experiência mística, que é a procura da iluminação que nos propiciam deuses ou entidades espirituais, ou ainda a própria realidade ou essência mais profunda do Ser ou do Universo.
Será a experiência mística um caminho para o conhecimento da essência dos seres? Será a mesma atingida pela intuição criadora (Bérgson)?

9. – Pensamento Pré-Lógico 
O Mito e não a lógica prevalece no pensamento pré-lógico, nêle, a fantasia e a imaginação são mais importantes que as idéias e conceitos.
Para K. Jaspers, o Mito constitui uma “história extraordinária que conta o divino”, uma “linguagem de transcendência”, que pode ser falsa do ponto de vista científico, mas que é verdadeira como provocação a outro espaço, a outro mundo e a outra vida, superiores e misteriosos (Cf. M. Duffrene-P. Ricoeur, K. Jaspers et la philosophie de léxistence, Paris, 1947, passim).
Englobando razão, vontade e imaginação, consciente e inconsciente, intelecção e emoção e, mais, considerando o homem como ser encarnado, ser-no-mundo e ser interpessoal, o pensamento mítico não é inferior ao pensamento conceitual, mas com outras características, místico e existêncial.

10. – Pensamento judeu-cristão
Para os profetas do antigo testamento, bem como para os discípulos de Cristo e para os grandes místicos, mais importante que as idéias e as teorias é a apreensão das verdades pela revelação. A Fé é a base do conhecimento; o crer é mais importante que o ver e que o formular conceitos.
Os místicos intuem diretamente em sua experiência a verdade última da vida divina em sua relação com os homens. Também os profetas e os místicos do Islam têm a Fé como base de suas doutrinas e de suas vidas.
Assim enceramos este breve estudo sobre diferentes caminhos para o conhecimento alternativo ao conceitual-abstrato.

Essência Plena e Essência Vazia

Após as considerações preliminares, que nos servirão de alimento para nossas reflexões, nós as começaremos com a distinção entre essência plena e essência vazia.

a) Essência Vazia:
Reduzir a essência de um ser aos seus termos mais simples, por exemplo, considerar a essência do homem o ser animal racional, é torná-la vazia, abstrata e de certa maneira arbitraria. Arbitraria porque depende de nossa maneira particular de ver.
Esta definição tem várias dificuldades:
1) Privilegia duas características essenciais do homem: o gênero e a diferença específica, segundo um enfoque escolástico. Mas, o homem poderia também ser definido como animal social, animal econômico, animal artístico, etc. conforme a perspectiva em que for considerado.
2) Esta definição, também, não nos diz nada, porque, em última instância, é um puro nome como afirmam os nominalistas, apesar dos protestos daqueles que dizem ter seu fundamento “in re”.
3) O “homem animal racional” não tem existência: apenas os seres abrangidos por essa definição podem ou não ser existentes; portanto, é apenas um ser de razão, que como tantos outros pode ser utilizado para o desenvolvimento de teorias abstratas, mas não atingem a realidade concreta.
4) Finalmente e, em decorrência do exposto acima, esta definição do homem, nada pode nos falar do homem concreto, real, existente.
A essência vazia de um ser levá-nos a considerá-lo abstratamente, independentemente de sua realização no concreto. É útil e válida para o estudo deste ser sob aspectos diferentes e particulares, de acordo com o objetivo que temos em mente ao estudá-lo. Entretanto, esta maneira vazia e abstrata de considerar a essência dos seres falha se quisermos compreendê-los em sua totalidade, em sua realização concreta e existencial.

b) Essência Plena
Consideramos a essência dos seres de uma maneira concreta, existencial e plena, se a considerarmos incluindo nela todas as suas características essenciais, as quais, por serem essenciais, não podem ser abstraídas, se não quisermos falsear a sua compreensão.
A essência plena de um ser, incluindo em si tudo o que faz com que um ser seja tal ser, nos permite considera-lo existencial e concretamente.
Nossa compreensão da essência plena de um ser será tanto mais completa, quanto maior for nossa capacidade em divisar suas diversas características essenciais.
Entre essas características essenciais do homem, destaco, por considerá-las fundamentais, a existência, a contingência, a consciência e a liberdade.

EXISTÊNCIA

1.- A existência de um ser, conquanto não se confunda com sua essência, é dela inseparável; a existência é a primeira característica a integrar-se na essência de cada ser.
O ser é sempre uma essência-existente. Em meu ser, no simples considerar de minha essência, afirmo-me existente; no existir, afirmo minha essência.
Minha existência é essencial ao meu ser.
O ser não-existente se reduz a não ser. Portanto, o considerar a essência de um ser, abstraindo-se sua existência, é tecer considerações inúteis, pois é raciocinar sobre um ser-enquanto-não-existente, o que é absurdo.
Mesmo os seres-de-razão incluem existência. Existência própria aos seres-de-razão, aquela de existir como conceitos abstratos no interior de uma consciência.
O ser-simples-possibilidade se reduz a ser-de-razão, quando consciencializado como possível por um ser-consciente. Desde que nenhum ser-consciente considere a possibilidade de um determinado ser-possível, este simplesmente não existe, não é.
É pela intuição, no coincidir com o próprio devir do real, que o homem se reconhece no seu existir essencial: ao afirmar “Existo”, afirma ao mesmo tempo sua existência e sua essência. O homem, ou melhor, êste determinado homem, êste eu é antes de tudo uma essência-existente, que se diferenciará de outros seres e de outros homens por diferentes características essenciais.
Mas, como nos aprofundarmos no conhecimento do homem? Em diversos aspectos, antropológico. biológico, psicológico, social, etc., etc., o homem é um complexo de problemas e, como problemático deverá ser estudado, para assim ser melhor compreendido pelas diversas ciências e outras áreas do conhecimento que lhe dizem respeito.
Porém, se o nosso intuito é o conhecimento do homem em sua essência-existêncial, encontramo-nos frente ao Mistério do homem e, então, sòmente poderemos compreendê-lo, penetrando em seu Mistério, através da relação intersubjetiva que respeite a interioridade pessoal: tanto do eu, como do tu.
O homem ao intuir-se, primeiramente encontra-se com seu próprio eu e, somente através da análise de seu eu é que irá encontrar os demais homens e os outros seres, é, por êsse motivo, que muitas vezes nestas reflexões deixarei de referir-me ao homem de um modo geral, para referir-me ao meu próprio eu, utilizando no escrever a primeira pessoa, quando se fizer necessário para melhor me expressar.
2.- O ser do homem não está encerrado sobre si mesmo, é ser aberto aos outros seres. Isto significa que em seu existir está relacionado aos seres que lhe são exteriores. É neste relacionar-se que poderemos penetrar para compreender melhor sua essência-existente.
Se procurar encontrar-se a si próprio, ignorando a presença de outros seres, encontraria o vazio. Apenas é capaz de conhecer-se na relação com os demais seres.
Sendo aberto ao que lhe é exterior, não está limitado ao seu interior; ao contrário, encontra-se presente em cada um dos seres com quem entra em contato. Inversamente, em seu próprio ser, encontra a presença dos seres que lhe são exteriores.
Não obstante esta relação de mútua presença, devida ao influenciar e ao ser influenciado, existente entre o seu ser e os seres que lhe são exteriores, permanece entre os mesmos radical distinção. Cada ser existente, existe uma existência que lhe é própria e que não se confunde com a existência de outro ser.
A abertura de meu ser propicia-me o contato existencial com os demais seres. Fosse eu encerrado sobre mim mesmo, os seres que me são exteriores, para mim, permaneceriam inexistentes; entre o “eu” e o “não-eu” haveria um abismo intransponível.
Aberto aos demais seres, o homem com eles se comunica. Esta comunicação pode realizar-se de diversas maneiras; por telepatia, por gestos, por símbolos, pela palavra, etc. A linguagem é importante modo de comunicar nossos conceitos e é importante para o progresso da ciência, da cultura e da própria comunicação, seja ela coloquial ou eletrônica. Mas, privilegia-la, como o “lugar” de todas as nossas investigações e reflexões sobre o homem e sobre o ser, não é válido. Porque, a linguagem sendo instrumento do pensamento conceitual, pode tornar sem sentido toda reflexão de cunho metafísico e místico-religioso.
Na reflexão existencial, a linguagem, assim como os outros modos de comunicação, têm como objetivo o colocar-nos em contato com os demais seres através do diálogo e descrever nossas experiências e intuições tornando-as comunicáveis.
3. – Minha existência é uma existência misteriosa. Em meu próprio ser ou nos seres com que me relaciono, sempre encontro o mistério.
Existindo em meio ao mistério, o homem não o pode desvendar. É capaz, entretanto, de penetrá-lo mais profundamente e assim ter melhor compreensão do mistério do seu ser, dos mistérios que envolvem o seu ser.
Sem pretender solucionar o mistério de sua existência, mesmo porque apenas o problemático comporta soluções, não o que é misterioso. Pretende, penetrando nas profundezas de seu existir, conhecer novos aspectos de seu ser para conhecer-se melhor; sabendo que a cada momento, no próprio ato pelo qual conseguir certa compreensão de determinada faceta de seu ser, encontrar-se-á frente a novos e mais densos mistérios.
A total compreensão de seu próprio ser está além de sua capacidade; um aprofundamento em seu autoconhecimento, entretanto, propiciar-lhe-á maior significação à sua existência e maior compreensão dos demais seres.
É consciente de que o mistério que envolve o seu ser e o seu existir permanecerá indecifrável, que prossegue em seu objetivo de conhecer-se melhor e de encontrar a razão e a finalidade de seu existir.

Contingência

No próprio ato de intuir-se como ser-existente o homem intui também sua contingência.
Sendo contingente, o homem não encontra em si, a razão de sua existência. Percebe-se como não necessário, existe, mas poderia não existir.
A contingência revela algumas características do homem:
1) O homem é limitado, há uma diferença enorme entre o que quer e o que pode; entre o que gostaria de ser e o que de fato é.
2) O homem é dependente, em tudo depende de outros seres; nada pode realizar sem a ajuda e a colaboração de outrem. Esta dependência não é apenas de seus semelhantes, mas até mesmo das coisas.
3) O homem não é necessário, seu existir ou não existir não traria influencia na realidade dos seres. Pelo menos é isso que acredita.
4) O homem procura o necessário, sendo contingente quer encontrar quem lhe dê fundamento e consistência ao seu existir. Quem seria? a natureza?, a divindade?, o absoluto?, o transcendente?, o nada?, o ser?, Deus?
A contingência, mostrando ao homem o seu nada, coloca em seu caminho a angústia, o desespero e a solidão, mas também a esperança, o amor e a solidariedade.