Espaço, Tempo e Eternidade

1. – Introdução:

– Da percepção das dimensões dos objetos materiais, abstraio a noção de espaço, a noção de tempo é abstraída quer da percepção do movimento executado pelos objetos exteriores, quer da sucessão de idéias e de estados de alma.
O espaço, portanto, refere-se apenas ao exterior e material; o tempo, também, ao interior e 
espiritual. O espaço é extensão e simultaneidade; o tempo, movimento e sucessão.

2. – O Espaço:

- Considerando a possibilidade das dimensões de meu corpo, bem como a dos objetos exteriores, diminuírem proporcionalmente a ponto de todo o Universo poder ser contido no interior de um átomo, encontro-me frente ao problema da relatividade do espaço, porque caso essa possibilidade fosse atualizada, não a perceberia; e, para mim, as dimensões dos seres materiais continuariam a serem as mesmas, em virtude de não se alterar a relação de proporcionalidade entre os mesmos.
Se partindo dêsse raciocínio, ou de outros similares, afirmar a relatividade do espaço em-si, parece-me concluir precipitada e ilegitimamente.
O fato de que eu não perceberia a mudança dimensional do universo, caso as relações internas permanecessem as mesmas, prova apenas a limitação de minha capacidade cognitiva, capaz de apreender as dimensões dos objetos, apenas em relação de proporcionalidade com os demais objetos, interiores ao mesmo Universo no qual existo.
A possibilidade da diminuição ou do aumento proporcional de todos os seres materiais contidos no Universo mostra-nos a possibilidade da elasticidade universal e, da relatividade dimensional da matéria.
Por enquanto, apenas me é lícito afirmar a relatividade subjetiva do espaço em relação ao sujeito cognoscente, e a relatividade objetiva do espaço em relação às dimensões dos objetos materiais; não, sua relatividade essencial.
O conceito de espaço obtenho através do contato com o mundo exterior; é portanto, no mundo exterior, não em meu ser que devo localizá-lo.
O material é espacial, o que não significa ser o espaço material. Em si o espaço ou se reduz a propriedade da matéria ou, é substância imaterial.
Sendo o espaço propriedade da matéria, sua realidade depende da realidade desta e, a afirmação da relatividade dimensional da matéria, implica a afirmação da relatividade essencial do espaço.
Sendo o espaço substância imaterial, não pode ser relativo, pelo próprio fato de ser substância imaterial.
Não havendo suficientes razões para rejeitar quer a hipótese do espaço-propriedade, quer a do espaço-substância, considerarei as duas hipóteses ao analisar o problema da finitude ou infinitude do espaço.
Teòricamente, a matéria é divisível ao infinito; experimentalmente, penetrando no domínio subatômico, o homem constata a existência de partículas próximas ao infinitamente pequeno. Embora se possa conceber divisão infinita das partículas materiais, estas para serem materiais, necessitam conter um mínimo de matéria; assim, chega-se a existência de partículas mínimas, cuja divisibilidade sòmente seria possível hipotèticamente. Esta partícula mínima, sendo material, é espacial; o espaço por ela ocupado é o menor espaço possível,
O espaço-propriedade, dependendo da matéria, tende para o infinitamente pequeno, mas não o atinge; o espaço-substância deve ser considerado como um todo; sendo imaterial, é indivisível.
Os estudos astronômicos colocam-nos frente à imensidade do Universo. Contìnuamente os seus limites conhecidos alargam-se.
A imensidade do Universo é inegável; seria êste espacialmente finito ou infinito? O conhecimento humano está muito distante em poder responder a esta pergunta, talvez nunca o possa fazer.
A finitude ou infinitude do espaço-propriedade depende da finitude ou infinitude do Universo. Independente da matéria, o espaço substância seria infinito, na hipótese do Universo ser infinito; podendo ser finito ou infinito, na hipótese contrária.
Observação: O termo partícula material, utilizado acima, não se refere apenas às partículas materiais em sentido estrito, mas incluem, na sua compreensão, as partículas ou corpúsculos energéticos. Isto porque aqui o termo matéria não está sendo usado em oposição a energia, mas em oposição a imaterial.

3. – O Tempo:

– Considerar o tempo apenas em relação ao movimento dos objetos materiais, conduzir-nos-ia a concluir pela simples distinção acidental entre o espaço e o tempo e, talvez mesmo a reduzir o tempo a simples dimensão do espaço.
Ao contrario, considerá-lo apenas em relação à sucessão de estados de alma, levaria a conclusão de sua relatividade essencial ou de sua idealidade.
A relatividade acidental do tempo quer objetiva, quer subjetiva, pode ser afirmada; sua relatividade essencial deve ser negada. Se ao considerar o espaço admiti a possibilidade da relatividade essencial do mesmo, não a posso admitir em relação ao tempo.
Isto porque, sendo o espaço unicamente relacionado com a matéria, pode ser concebido como propriedade desta; o tempo, porém, relaciona-se com o movimento dos corpos materiais, relaciona-se, também, com a sucessão de nossos estados de alma, que são por natureza espirituais.
A relatividade essencial de um ser, sòmente pode ser aceita ou, sendo este simples ser-de-razão ou, sendo propriedade da matéria, no caso desta ser relativa.
O tempo relacionando-se com o movimento dos objetos exteriores, não pode ser considerado como simples ser-de-razão; relacionando-se com a sucessão dos estados da alma, não pode ser reduzido a propriedade da matéria. Portanto nos é legítimo concluir pela sua não-relatividade essencial.
Rejeitando sua idealidade e acidentalidade, afirmamos ser o tempo substância imaterial. A existência da duração é possível mesmo sem a existência do durável.
Para mim, o problema da finitude ou da infinitude do tempo, permanece insolúvel. As duas hipóteses parecem-me igualmente possíveis e racionais.

4. – A Eternidade:

“Platão exprimiu o paradoxo do presente instantâneo dizendo que nem é movimento, nem repouso;
está no meio de ambos, constitui o seu ponto de encontro (Parm.,156d). – Logos vol. IV 412.”

– Seres temporais é nossa tendência o considerar todos os acontecimentos exclusivamente sob o aspecto temporal. Esta tendência devemos tentar superar, quando tencionamos uma melhor, embora imperfeita, compreensão do que, de certa maneira, relaciona-se com o Eterno.
Não se pode reduzir a noção de Eternidade a uma infinita sucessão de instantes. Seria reduzir a Eternidade a tempo, sendo êste infinito.
Eternidade transcende tempo e espaço; eternidade é imanente ao tempo e ao espaço. Porque transcendente, o eterno é completamente diverso do espácio-temporal; porque imanente, o eterno é sustentáculo do espácio-temporal.
A consideração das noções de espaço e de tempo, não nos permite conceber o eterno. Apenas, nos permite constatar o ser totalmente diverso. Porém, sendo o eterno imanente ao espácio-temporal, evidentemente existem pontos de contato.
É no mais profundo da essência humana, na espírito-corporidade do homem, que encontramo-nos frente a êstes pontos de contato. É no interior do ser humano, que encontraremos os elementos necessários para uma, imperfeita é verdade; mas, válida noção de eternidade. Existindo no espácio-temporal, somos dotados de espacialidade e temporalidade; é partindo dessas noções, que ser-nos-á possível chegar àquela da eternidade.
Transcendendo ao espaço, o eterno é inextenso ou, melhor contém concentrado em si tôda a imensidade espacial. As dimensões do espaço no eterno, não se estendem ao exterior, mas convergem-se no interior. Poderíamos afirmar que o eterno é espaço sem dimensões, contendo em si tôdas as dimensões do espaço em que existimos. A aparente absurdidade dessa afirmação é devida ao fato de que, existindo no espaço, estamos acostumados a conceber a eternidade com as mesmas características do espaço, o que é, não apenas aparentemente, mas realmente, absurdo.
No espaço, a relação de espacialidade que torna próximo do meu “eu-interior”, objetos distantes aos quais dedico minha atenção, é pálida imagem das relações espaciais entre seres na eternidade. Na relação de espacialidade, o contato se estabelece entre o meu eu interior com o exterior de outros seres e, mesmo quando o contato é de interior para interior, no caso da intuição amorosa, ainda permanece algo de exterior, devido a extensão material dos seres espácio-temporais. Na eternidade, êste contato é totalmente interior, as distâncias são totalmente supressas, sem, necessariamente serem destruídas.
Devido à temporalidade, no instante presente encontram-se de certa maneira o passado e o futuro. No temporal, nosso agir atual é construído sôbre o acontecido, influenciado pelo projetado. Os instantes que na sucessão temporal existiram ou irão existir no presente, neste instante estão sepultos no passado ou esperam para existir no futuro. Relacionam-se é verdade, com o instante presente; mas, do mesmo se distinguem como o ser se distingue do não-ser.
Na eternidade, passado e futuro são palavras sem significado. No presente, todos os instantes se concentram e coexistem, Não afirmo a inexistência de duração eterna; afirmo o eterno presente.
No temporal um ser é o que êle é neste preciso instante; síntese no presente, do que êle foi no passado, do que projeta para o futuro. Mas, passado e futuro não coexistem no presente, apenas condicionam o presente. O existente é o ser neste preciso instante.
No eterno, em cada instante, o ser encontra-se presente em sua totalidade. Não existe nem passado, nem futuro. Porque o “passado” permanece presente e o “futuro” já é presente. Em cada momento da eternidade, a duração total de cada ser se concentra.
Presença total e eterna, concentrando em si a imensidade espacial e a duração infinita, eis a eternidade.
Porque na eternidade presente, passado e futuro, cedem lugar ao presente eterno; porque todos os instantes da duração encontram-se em cada instante e, porque o espaço concentra-se no não-dimensional, os seres conservam-se imutáveis em seu estado, conquanto o dinamismo amoroso e criador de sua existência cresçam incessantemente.
Na eternidade, a imutabilidade não significa inação; mas, contém em si agir no mais alto grau; em comparação com o qual, o agir no espácio-temporal é realmente inação.