O Eu e a Intersubjetividade - A Descoberta da Dimensão dos Valores

1. – Ao defrontar-se com um ser que lhe é exterior, o homem estabelece com êste uma relação do tipo sujeito-objeto. Nesta relação, o objeto ao ser conhecido, revela-se ao homem, mas em conformidade com a capacidade cognitiva do sujeito.
Quatro seriam as possibilidades desta relação se realizar:
a) O objeto se revelaria ao sujeito de tal modo que êste apenas reproduziria as características do objeto, permanecendo passivo e fiel ao dado recebido.
b) O objeto se deixaria penetrar pelo sujeito, sendo êste que determinaria o que deveria ser percebido, segundo sua própria perspectiva. Neste caso, é o objeto que permaneceria passivo, apenas matéria bruta a ser investigada.
c) A relação aconteceria no encontro entre sujeito e objeto, ambos teriam algo a dizer, ambos seriam, simultaneamente ativos e passivos. O objeto a revelar-se ao sujeito e êste a questionar o objeto conforme seu interêsse e objetivo do momento.
d) Finalmente, não encontraríamos a explicação desta relação, nem no sujeito, nem no objeto, nem mesmo no encontro de ambos, mas no próprio ato de relacionar-se. Sujeito e predicado seriam apenas os limites desta relação.
Concretamente, cada uma destas possibilidades pode predominar nas relações sujeito-objeto, dependendo dos motivos e das perspectivas que estas relações se realizem.
É neste relacionamento sujeito-objeto que o homem descobre uma dimensão que transcende o puro conhecer; é a descoberta dos valores.

2. – Inicialmente, vamos distinguir entre valores que são integrados à própria realidade dos diferentes objetos; a êstes daríamos o nome de valores naturais; e, valores que lhe são agregados pela atividade do homem: os valores agregados.
Os valores naturais fazem parte da própria essência do objeto e cabe ao homem descobri-los. São muitos estes valores e, sua característica básica é serem úteis-para, tomemos como exemplo determinado vegetal, êste pode ter diversos valores, por exemplo: valor nutricional, valor terapêutico, valor estético, etc. depende da perspectiva e do objetivo de quem se relaciona com êste vegetal. Neste caso, ao homem cabe, apenas, descobrir e utilizar os valores que se encontram em cada objeto. O conhecimento do objeto é maior quando descobrimos seus valores.
Os valores agregados não se encontram nos objetos, mas neles são acrescentados pelo homem. O melhor exemplo dêste tipo de valor é o valor econômico, quando o homem valoriza determinado objeto em relação a outros, como valor de troca e como valor de patrimônio. A raridade de determinados produtos faz com que se tornem mais caros. O mesmo acontece quando a procura por um objeto cresce.
Quando o homem, através de seu trabalho, modifica um determinado objeto para melhor utilizá-lo e para conseguir seus objetivos, o valor agregado deste objeto cresce, crescendo seu valor intrínseco.
Mas, não é só valor econômico que o homem acrescenta aos objetos, pode dotá-los também de valores éticos, artísticos, religiosos, eróticos, recreativos, etc. Muitas vezes, um mesmo objeto é contemplado pelo homem por diferentes tipos de valores.

3. – Os valores possuem uma dimensão histórico-social, pois os homens os recebem em seu contato com o outro, através da sociedade. Neste caso encontram-se principalmente os valores éticos e religiosos.
No decorrer da História, objetos e acontecimentos vão sendo enriquecidos por valores e significados que a êles são acrescidos. O homem, existindo em determinada época, recebe como herança, os valores que fazem parte da cultura da mesma. Êstes valores transmitidos pela tradição ou pelos ambientes formativos, entre os quais a escola e a religião, são assimilados pelo homem que passa a pensar e a agir por êles condicionados.
Importantes são os valores transmitidos aos homens pelos costumes e crenças de sua família; igualmente importantes são aqueles transmitidos pela religião, sob a forma de normas, dogmas e tabus. Êstes valores de tal forma se enraízam no próprio ser do homem, que parecem estarem inscritos em sua própria natureza; não se percebe o terem sido assimilados através da realidade histórico-social.
Frente aos valores adotados por determinada sociedade, o homem ou os aceita, assimilando-os, ou os recusa, criando e assumindo valores alternativos, os assim chamados antivalores. É esta possibilidade de o homem aceitar ou recusar os valores sócio-históricos, que permite o transformar da sociedade pela substituição de certos valores tradicionais, aparentemente definitivos, por outros mais adequados aos novos tempos. Sòmente para exemplificar: valores feudais, substituídos por valores burgueses e estes por valores socialistas; valores regionais ou nacionais por valores supranacionais ou globalizados.
Embora simplificando em demasia, poderíamos distinguir entre os valores sócio-históricos, em valores materiais como os utilitários e os econômicos, e valores espirituais como os religiosos, éticos e estéticos. Cada cultura e cada sociedade organizam hierarquicamente estes valores, conforme suas próprias características; esta escala de valores assim hierarquizada é predominante, mas permite a existência de outros valores paralelos e, mesmo, de antivalores.

4. – Ser-histórico-social, como não poderia deixar de ser, é através da sociedade na qual está inserido que o homem recebe os valores que acompanharão e nortearão sua vida. Mas, cada indivíduo estrutura sua própria escala de valores que diverge da de outros homens e, é com base em sua escala de valores que o homem, não tomando conhecimento do conselho evangélico de não julgar, julga seus semelhantes cometendo muitas injustiças, pois esquece que a escala de valores do outro é diferente da sua.
É comum ouvir-se de alguém, praticante religioso, dizer quando outrem deixa de ir a uma atividade religiosa para participar de uma atividade recreativa, fulano sempre tem tempo para as coisas do mundo, mas não as tem para as coisas de Deus. Este é um típico exemplo de julgar-se baseado em sua própria escala de valores, a quem possui outra. Além do mais, valorizar o religioso, não significa valorizar todo e qualquer ato religioso em toda e qualquer ocasião.
Uma pessoa bem estruturada e equilibrada sabe valorizar devida e adequadamente todos os valores, sejam êles religiosos, éticos, estéticos, políticos, sociais, de lazer, etc., e também sabe em que ocasião um valor de si mesmo, menos importante que outro, deve ser o preferido.
Muito embora receba tôda uma gama de valores através da sociedade ou do contato com os outros, o homem pode criar novos valores, assim como cria sua própria escala de valores.
A atividade humana na procura dos valores é decisiva para todo o seu existir, no conhecer e no agir. O valor é a dimensão humana que se agrega à realidade; esta, sem os valores, seria como se os homens dela não fizessem parte.
A descoberta da dimensão dos valores é descobrir o homem no seio da realidade.