O Mistério do Tempo e do Espaço

Introdução

O homem existe no espaço e no tempo. A constatação desse fato traz em si o seguinte problema: se estou no espaço e no tempo, sou por eles limitado. Daí duas perguntas: o que é o espaço? O que é o tempo?
Em nossa investigação para responder a essas perguntas, procuraremos inicialmente constatar quais os elementos que a ciência moderna nos poderia fornecer para elucidarmos a questão. Depois, no campo da filosofia, estudaremos, sucessivamente, o espaço e o tempo no tomismo, em Kant, em Bérgson, no existencialismo, na Bíblia e nos mitos. Finalmente, refletindo sobre os diversos aspectos estudados, tiraremos algumas conclusões capazes de lançar alguma luz sobre esses problemas.
Nosso trabalho não pretende ser exaustivo. Assim, ao estudarmos a ciência moderna, limitar-nos-emos a estudar as teorias que nos levam à consideração da relatividade de Einstein. Quanto à filosofia, escolhemos, entre muitos, aqueles filósofos ou correntes filosóficas que nos pareceram ter melhor focalizado os diversos aspectos dessa problemática.

I – O Espaço e o Tempo na Ciência Moderna

1) Os hiperespaços
Vamos iniciar este nosso estudo partindo de alguns dados que nos são fornecidos pela geometria.
Sabemos que sobre uma reta qualquer se pode estabelecer um sistema de abcissas. Para isso, toma-se um ponto “O” como origem e determinam-se as distâncias dos demais pontos dessa reta em relação ao ponto “O”, associando-os a um sinal positivo ou negativo, conforme o lado de “O” em que se encontrem os demais pontos. A cada ponto da reta corresponderá um número positivo ou negativo, que representa a sua distância ao ponto origem “O”; reciprocamente, a cada número real corresponderá um ponto na reta.
Sobre um plano pode-se considerar um sistema de coordenadas cartesianas ortogonais. Tomam-se dois eixos perpendiculares, e, a partir do ponto de intercessão “O”, se fixa neles um sentido positivo e um negativo. Qualquer ponto do plano determina dois valores numéricos, que são as coordenadas desse ponto e representam as distâncias do mesmo em relação aos dois eixos do sistema; reciprocamente, dois números reais, positivos ou negativos, determinam um ponto no plano.
Do mesmo modo no espaço. Considerando-se três eixos perpendiculares entre si, escolhem-se neles os sentidos positivo e negativo; a partir do ponto comum de intercessão “O”. Qualquer ponto do espaço determina três números, as coordenadas desse ponto, que representam as distâncias desse ponto a cada um dos três eixos do sistema; reciprocamente, dado três números reais, positivos ou negativos, fica determinado um ponto no espaço.
Vemos que o ponto numa reta tem uma coordenada, no plano duas e no espaço três. Como o espaço se nos apresenta dotado de três dimensões, o plano de duas e a reta de uma, podemos considerar que o número de coordenadas que determina um ponto define o número de dimensões. Estendendo a significação da palavra espaço, pode-se dizer que a reta é um espaço unidimensional; o plano, um espaço bidimensional; e o espaço, em que vivemos, um espaço tridimensional.
Encontraremos uma série enorme de analogias nos arrazoados e nos cálculos se estudarmos a geometria analítica plana e a geometria analítica espacial; além disso, notaremos que muitos cálculos e demonstrações que são os mesmos para o caso do espaço bidimensional e para o tridimensional, seriam também os mesmos, caso considerássemos um espaço com quatro, cinco ou “n” dimensões. A esses espaços, com mais de três dimensões, dá-se o nome de hiperespaços.
Abstraindo-se por enquanto da realidade ou não dos hiperespaços e limitando-nos a considerar logicamente tudo o que se refere a eles, é possível construir toda uma geometria, considerando esses hiperespaços.
Analogamente, ao considerado acima, temos que num espaço de quatro dimensões, um ponto qualquer seria determinado por quatro números reais, positivos ou negativos; num espaço de cinco dimensões, seria determinado por cinco números reais, positivos ou negativos, etc. Generalizando, num espaço de “n” dimensões, um ponto seria determinado por “n” números reais positivos ou negativos.
Resta-nos agora examinar se os hiperespaços são apenas possíveis como entes de razão ou se os mesmos existem realmente.
Considerando que uma reta que possui uma dimensão, está inserida num plano com duas dimensões e este no espaço com três dimensões, porque o espaço não estaria inserido num espaço de quatro dimensões e assim por diante até “n” dimensões?
Se objetarmos que apenas percebemos a existência de três dimensões, isto não seria prova da inexistência da quarta dimensão, mas apenas a nossa incapacidade de percebê-la.
Gaus afirma que se no próprio espaço em que vivemos existisse uma quarta dimensão que fosse inferior a milionésima parte do mícron não seríamos capazes de percebê-la. Poincare afirmava que “a experiência não prova que o espaço tem três dimensões; prova-nos que é cômodo atribuir-lhe três”.
Se não é possível provarmos a inexistência dos hiperespaços, também não é possível provar a sua existência, pois, alguns fatos que a provariam ainda não se verificaram. Permanecem por enquanto sem solução duas perguntas: tem existência real os hiperespaços? a existência ou não dos hiperespaços traz conseqüências para o homem e para o meio em que vive?

2)As geometrias não-euclídeas
Neste ponto, torna-se necessário, antes de prosseguirmos o nosso estudo a respeito do espaço, uma rápida noção sobre as diferenças fundamentais entre diversas geometrias (de Euclides, de Lobatschewski e de Riemann).
Euclides fundamenta a sua geometria numa série de definições, postulados e axiomas. A geometria euclídea durante muitos séculos foi considerada a única possível. No entanto entre os diversos postulados encontra-se um, o célebre postulado das paralelas, cuja natureza era bem menos intuitiva que os demais. Esse postulado enunciado de maneira correta e moderna é o seguinte: “por um ponto, tomado fora de uma reta, não se pode traçar mais que uma paralela a essa reta”.
Depois de inúmeras tentativas dos matemáticos para provar esse postulado, alguns o colocaram em dúvida. A partir desse fato, apenas substituindo-se esse postulado por outro, foram construídas geometrias não-euclídeas sem contradição lógica.
Substituindo-se o enunciado do postulado das paralelas da geometria euclídea pelo seguinte: “por um ponto fora de uma reta podemos traçar mais de uma paralela a reta dada”, teremos o fundamento da geometria de Lobatschewski-Bolyai.
Se, por outro lado, considerarmos que “por um ponto fora de uma reta não podemos traçar nenhuma paralela à reta dada” e mais, se considerarmos a reta não infinita, mas fechada, teremos o fundamento da geometria de Riemann.
Essas três geometrias não possuem contradição interna e apenas divergem entre si nos pontos que se relacionam com esse postulado.
Verifica-se que essas geometrias se aplicam sobre superfícies diferentes: a geometria euclidiana sobre o plano, a de Lobatschewski, sobre a pseudo-esfera, e a de Riemann, sobre a esfera.
O plano é uma superfície de duas dimensões com curvatura nula, a esfera é uma superfície de duas dimensões com curvatura positiva e a pseudo-esfera, com curvatura negativa.
Considerando-se essas geometrias no espaço, temos que a geometria de Euclides passa do plano ao espaço através de uma outra dimensão; o mesmo acontece com as geometrias de Lobatschewski e de Riemann.
Considerando agora apenas a geometria de Riemann, vemos que a superfície sobre a qual essa se aplica – a esfera – é uma superfície ilimitada, mas não infinita, porque possui curvatura em relação à terceira dimensão; da mesma maneira Riemann nos apresenta o espaço ilimitado, porém finito, porque com curvatura em relação à Quarta dimensão.
Comparando as três geometrias, vemos que se muitos pontos são comuns; outros são divergentes, entre os quais podemos citar: para Euclides e Lobatschewski as retas são infinitas, para Riemann a reta é fechada, confunde-se com as circunferências máximas da esfera.
Para Euclides, a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a dois retos; para Lobatschewski, é menor do que dois retos; para Riemann, é maior do que dois retos.
Cabe-nos ver qual dessas geometrias corresponde ao nosso universo. A primeira vista nos parece que o espaço euclidiano é o que corresponde ao espaço real do universo; no entanto a teoria da relatividade adotou o espaço riemaniano.
Em favor dessa posição, Einstein e Infeld, imaginando a existência de seres racionais de duas dimensões, nos dizem que os mesmos seriam capazes de desenvolver toda uma ciência em uma superfície plana e não suspeitariam da terceira dimensão. Ora, se esses seres fossem transportados para uma superfície de raio grandíssimo e se os mesmos fossem muito pequenos em relação a essa esfera, todas as suas medições e as suas teorias seriam aplicáveis igualmente tanto sobre a superfície plana como sobre a esfera. Mas, se esses seres bidimensionais desenvolvessem bastante sua ciência e seus meios de pesquisa, perceberiam que a superfície em que se encontram, é esférica e não plana e, em conseqüência, muito do que era válido para a superfície plana agora já não seria.
No caso do espaço real ser riemaniano, o mesmo seria tridimensional com curvatura positiva. Isso traria, em conseqüência, que o mesmo seria ilimitado, mas finito, como acontece com a superfície esférica.
Para se provar ser o espaço curvo, seria necessário tirarem-se medidas de extensões muito grandes, o que atualmente não é possível. Não podemos pela experiência precisar por enquanto, qual geometria se ajusta melhor ao universo.

3) A Teoria do Universo de Minkowski
Minkowski acrescentou às três dimensões do espaço uma quarta que corresponderia ao tempo, reduzindo assim este a uma simples dimensão daquele, juntando dessa maneira o espaço e o tempo numa espécie de meio contínuo de quatro dimensões, a que deu o nome de “Universo”, ou “Espaço Quadridimensional”.
Partindo de que cada ponto no espaço é determinado por três dimensões, e que o mesmo não acontece com os acontecimentos, que estão também subordinados ao tempo, Minkowski estabeleceu uma teoria na qual esses acontecimentos seriam determinados por quatro dimensões. Um ponto no espaço é determinado por três coordenadas, um acontecimento é determinado por quatro; três, correspondente ao espaço e uma ao tempo. Todos os acontecimentos vindo a produzir-se no espaço e no tempo vêm a constituir cada um, um ponto no Universo.
No entanto, enquanto as três dimensões espaciais, têm as mesmas características, o mesmo não acontece com a quarta: a dimensão temporal. Assim é possível sempre a um objeto voltar à mesma posição no espaço, o que não acontece no tempo, pois este transcorre sem retrocesso. Os valores correspondentes à coordenada do tempo são cada vez maiores.
Tendo em vista essas particularidades da dimensão temporal, perguntamos: corresponde à quarta dimensão do hiperespaço quadridimensional ou é de natureza diferente e específica?

4) Sistemas inerciais e o princípio da relatividade na mecânica clássica
Ao estudarmos a deslocação de um corpo, precisamos tomar por base um sistema de referência, que é representado por um sistema de coordenadas cartesianas ortogonais.
Seja o caso de dois sistemas K e K’, cujos eixos são paralelos. Suponhamos que o sistema K esteja em movimento retilíneo e uniforme em direção ao eixo dos x e um ponto P, ligado a esse sistema. Se tivermos as coordenadas desse ponto em relação a um dos sistemas mencionados, poderemos deduzir as coordenadas desse ponto com relação ao outro sistema. Para isso, basta utilizarmos o grupo de transformação de Galileu.
Se estivermos num sistema de referência qualquer, não poderemos dizer se o nosso sistema está parado ou em movimento retilíneo uniforme, pois as leis que regem os fenômenos mecânicos são as mesmas para ambos os casos, sendo este o Princípio da Relatividade da Mecânica Clássica.
Quando um sistema qualquer ou está em repouso, ou é dotado de um movimento retilíneo e uniforme, sem que nele atue fôrça alguma, nós o chamamos de sistema inercial.
Se um corpo se encontra em repouso num dado sistema inercial, este repouso é relativo a ele, pois caso o sistema esteja em movimento, o corpo terá a sua velocidade. Consideremos agora um sistema inercial com velocidade de 50km/h e, nele, um móvel com velocidade de 5km/h relativamente a este sistema. Relativamente a um outro sistema inercial, em repouso, este móvel terá a velocidade de 55 ou 45km/h conforme a direção seja positiva ou negativa em relação ao seu sistema inercial.
Temos assim que a velocidade é variável e muda de valor se a consideramos com relação a um ou outro dos sistemas. O mesmo acontece com relação a um ponto, Por outro lado temos grandezas que permanecem invariáveis nos dois sistemas: é o caso da distância entre dois pontos, da variação de velocidade, da massa e da fôrça.

5) Grupo de transformação de Lorentz
Lorentz, tendo em vista as experiências de Michelson, as quais o levaram a concluir que o éter se moveria com a terra; e, querendo manter o ponto de vista de que o éter era imóvel, e não contradizer a experiência daquele cientista, concluiu que isso só seria possível admitindo que todo corpo móvel em relação ao éter, com velocidade v, se contrai na direção do movimento segundo a relação de 1 a
Além da hipótese da contração dos corpos, Lorentz aventou a hipótese de que o tempo se contrairia segundo a velocidade.
Lorentz estabeleceu em substituição ao grupo de transformação de Galileu, o grupo de transformação de Lorentz, que poderia ser aplicado aos fenômenos eletromagnéticos.

6) O tempo e o espaço na teoria de Einstein
Em virtude do antigo princípio da relatividade da mecânica clássica não ser suficiente para explicar certos fenômenos não mecânicos, principalmente os fenômenos eletromagnéticos, Einstein estabeleceu dois postulados que fundamentam sua teoria de relatividade restrita:
1° Nenhum fenômeno interior nos permite conhecer se um sistema de referência está em movimento retilíneo uniforme;
2º A luz se propaga sempre no vazio com a velocidade “C” independentemente de estar em repouso ou em movimento a fonte luminosa, isto relativamente a todos os sistemas inerciais.
Em sua teoria de relatividade restrita, Einstein adotou em lugar do grupo de transformação de Galileu, o grupo de transformação de Lorentz, por ser o adequado aos fenômenos eletromagnéticos.
Em oposição à mecânica clássica que mantinha como grandezas invariáveis o tempo e a distância entre dois pontos, a mecânica relativista considera essas duas grandezas relativas aos diversos sistemas de referência.
Vamos considerar duas experiências propostas por Einstein com o fim de provar a relatividade da simultaneidade e a do tempo:
1º) Consideremos um trem em movimento num trecho entre os pontos A e B, correndo na direção de A para B. localizemos dois observadores, um dentro do trem e outro numa linha paralela a estrada de ferro. O observador externo deverá estar colocado no ponto P, localizado no meio da distância entre A e B. Quando o trem atinge o ponto P’ coincidente com o ponto P, dois focos de luzes se acendem em A e B. O observador externo perceberá as duas luzes simultaneamente; o mesmo não acontecendo com o observador interno, pois estando o trem correndo na direção de A para B, ele perceberá primeiro o foco de luz do ponto B. A partir desse raciocínio, Einstein conclui que a simultaneidade é relativa ao sistema de referência e não absoluta.
2º) Considerando que um foguete partisse da terra com altíssima velocidade, um relógio localizado em seu interior andaria muito mais vagarosamente que um outro localizado na terra, porque, quanto maior é a velocidade, menor o tempo. No caso de se atingir a velocidade da luz, o tempo se anularia.
À objeção de que ao ultrapassar a velocidade da luz, o tempo tornar-se-ia negativo, Einstein responde ser isso impossível, pois, a velocidade da luz é um limite intransponível, sendo mesmo invariável, ao contrário do que afirma a mecânica clássica.
A constatação dos princípios da mecânica relativista só seria possível em distâncias intersiderais e com velocidades próximas à velocidade da luz. Isso faz com que na imensa maioria dos casos, as aplicações práticas das leis da mecânica clássica sejam rigorosamente exatas. A mecânica clássica constitui um caso limite da mecânica relativista.
A teoria da relatividade restrita aplica-se apenas aos sistemas inerciais, mas no universo não se encontrou até agora nenhum sistema inercial, seria preciso então formular uma teoria que incluísse todos os sistemas de movimento, mesmo os acelerados. Daí Einstein ter formulado a teoria da relatividade geral.
O postulado da constância da luz, fundamental na teoria da relatividade restrita, perde o seu significado ao considerarmos a ação do campo gravitacional. Num campo gravitacional, os raios luminosos se encurvam, o que ocasiona a mudança de velocidade desses raios. Considerando a ação dos campos gravitacionais, os teoremas da geometria euclídea perdem seu significado, além de outras conseqüências.
Estes fatos levaram Einstein a considerar o espaço como ‘não infinito e homogêneo’, tendo uma estrutura capaz de deformar-se na vizinhança da matéria; em outras palavras, o espaço é curvo. (René Sudre – Os novos enigmas do Universo – p. 109).
Na teoria da relatividade geral, Einstein substitui o universo de Minkowiski, adotado na relatividade restrita, que se pode considerar como um universo euclídeo de quatro dimensões, por um contínuo de quatro dimensões com coordenadas de Gauss, que são curvas e não retas. A teoria da relatividade geral adota a geometria de Riemann em substituição à de Euclídes.
O universo segundo a teoria da relatividade, é um contínuo espácio-temporal, que seria encurvado nas proximidades das grandes massas de matéria. Essa teoria explica a gravitação não por meio de forças, mas em virtude do encurvamento do espaço.
René Sudre diz que “o campo de Einstein une indissoluvelmente a fôrça e o espaço numa expressão matemática de quatro variantes que representam para ele a realidade física. A matéria não é mais do que uma singularidade desse espaço elevado à categoria de substância universal”.
Até o momento, as experiências ainda não provaram a veracidade da teoria da relatividade; permanecendo a mesma como hipótese.

7) Considerações sobre os pontos precedentes. 
Pelo estudado até aqui, podemos concluir que a ciência moderna tende a considerar de um modo geral, o espaço como uma relação de dimensões. Assim, é com relação às dimensões dos corpos e das distâncias que os separam, que o mesmo é considerado.
Quanto ao tempo, há uma forte tendência em reduzi-lo a uma simples dimensão do espaço.
Contudo muitas dúvidas persistem. Se esta redução é válida enquanto permanecemos no campo teórico, com finalidade de estudos e pesquisas, não podemos dizer que o é quando passamos da teoria à realidade.
Uma pessoa que fosse capaz de distinguir o tempo como uma quarta dimensão, veria os fatos acontecerem sucessivamente ou, os veria dados simultaneamente, de tal modo que passado, presente e futuro não seriam distintos?
Quanto ao espaço, é ele infinito e ilimitado como na mecânica clássica ou, é ilimitado, mas finito como na mecânica relativista?
Os relativistas de acordo com a geometria de Riemann, dizem ser o espaço curvo. Admitindo esse ponto, perguntamos; será curvo em relação a uma quarta dimensão ou será curvo em relação a si mesmo?
Sendo curvo em relação à quarta dimensão, as suas características, seriam iguais às outras três? Se afirmativamente, o tempo poderia ser considerado esta quarta dimensão?
Em virtude de no tempo os fenômenos se processarem sucessivamente, ao contrário do espaço onde os mesmos fenômenos são simultâneos, parece-nos difícil acreditar que isto se deve ao fato de não percebermos a quarta dimensão. Mais possível nos parece a existência de uma quarta dimensão do espaço que não o tempo.
Ainda mais, está o espaço unido ao tempo, formando um contínuo espácio-temporal ou os mesmos são entidades distintas?
Por fim, confunde-se o espaço com o universo, sendo a sua própria substância ou é apenas o lugar (recipiente) do universo? Existe o espaço e o tempo independentemente do universo, ou estão relacionados com o mesmo?

II – O Conceito do Espaço e do Tempo no Tomismo

1) Conceito tomista do espaço
Para o tomismo, o espaço pode ser real, quando considerado como a distância entre diversos lugares; ou imaginário, quando considerado como um receptáculo de todos os corpos.
Muito embora o espaço não se confunda com os corpos, não pode subsistir sem estes: é inseparável dos mesmos.
Não se deve confundir o espaço com o lugar. Enquanto o espaço contém em si todos os lugares, ele mesmo não se encontra em lugar algum.
É ao considerarmos o universo em suas dimensões, e estas últimas em suas relações, que temos a noção de espaço. Assim podemos dizer que o espaço se define como uma relação de dimensões.
Agora, o espaço considerado como uma relação de dimensões, é um ente de razão; porém, ente de razão com fundamento “in re”, porque as distâncias entre os corpos e suas dimensões são reais e objetivas.
2) O vácuo absoluto e a finitude ou infinitude do espaço.
Para o tomismo, a noção de vácuo absoluto é contraditória; isso porque concebermos a existência de um vácuo absoluto, é o mesmo que concebermos um não-ser existente. Quando falamos de espaço vazio, isso só pode ser entendido de uma rarefação da matéria; é um vácuo relativo e não absoluto.
Para os tomistas, o problema da finitude ou da infinitude do universo é metafisicamente insolúvel; cientificamente, a solução depende do sentido dado aos termos finito e infinito pelos cientistas.
3) Noções preliminares sobre a natureza do tempo.
Experimentamos o tempo por meio de uma experiência de duração, mas de uma duração que é permanência do ser comportando sucessão. A duração permanente não comportando mudança nem sucessão é a eternidade.
A partir da experiência fundamental do tempo, nós distinguimos diversas representações desse mesmo tempo.
Assim temos:
a) tempo concreto ou tempo vivido que resulta da sucessão heterogênea e qualitativa dos estados consciência vividos por cada ser;
b) tempo imaginário representado por uma linha onde situamos os acontecimentos do universo, é uniforme e vazio;
c) tempo objetivo que é um tempo exterior tomado como unidade de medida de todos os outros tempos. Assim, o dia de vinte e quatro horas, resultante do movimento de rotação da terra, ser tomado como unidade de medida do tempo.
O tempo, como tal contém em si o presente, o passado e o futuro. Mas o tempo como totalidade somente existe em ato pelo espírito, porque somente este é capaz de conservar o passado que não é mais e prever o futuro que ainda não é.
O presente em si mesmo é o instante limite entre o passado e o futuro; este presente não pode ser percebido.
Chamamos de presente psicológico ao menor espaço de duração – constando realmente de presente, passado e futuro – no qual podemos perceber uma determinada sensação externa ou interna.
Finalmente, temos a duração concreta no fato de o ser realizar de certa maneira, no presente, a síntese do passado e do futuro.
4) Conceito tomista do tempo.
Para Aristóteles o tempo se define como “a medida do movimento segundo o antes e o depois” (IV Phys., C. XI).
O tempo implica sucessão, suprimindo-a, o próprio tempo é suprimido. O tempo nasce da quantidade. É pela quantidade que o movimento é mensurável e é pelo movimento que a quantidade se introduz no tempo. Além disso, o tempo é uma espécie de número contínuo e fluente.
O tempo é real, porém não tem a realidade de uma substância, mas a de um acidente: é a sucessão ou o movimento enquanto mensurável.
O tempo em ato apenas existe pelo espírito, pois muito embora o movimento seja medível independentemente do espírito, somente pelo espírito é que ele é medido em ato.
Resumindo: para os tomistas o tempo é alguma coisa de real, possuindo a realidade de um acidente. Porém, em ato o tempo não existe senão pelo espírito. Assim como o espaço, o tempo é um ser de razão com fundamento “in re”.

III – Concepção Kantiana do Espaço e do Tempo

1) Considerações preliminares
Segundo Kant todos os nossos conhecimentos no tempo começam pela experiência.
Os objetos nos são dados através da sensibilidade e pensados através do entendimento.
Para Kant, sensação é a impressão de um objeto sobre a sensibilidade, que é a capacidade de receber representações dos objetos.
Intuição é toda representação imediata de um objeto. A intuição chama-se empírica quando se relaciona com o objeto através da sensação.
Fenômeno é o objeto indeterminado da intuição empírica. Apenas o fenômeno é objeto de conhecimento, não o númeno ( a coisa em si ).
No fenômeno, Kant distingue a matéria e a forma. A matéria é tudo aquilo que corresponde à sensação. A forma é aquilo pelo qual o que o fenômeno tem de diverso pode ser ordenado em determinadas relações.
Se bem que todos os nossos conhecimentos derivam da experiência, alguns, no entanto não têm essa origem exclusiva; no fenômeno aquilo que recebemos das impressões é a matéria e o que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona são as formas puras ¨a priori “. Puras porque não há sinal de que pertencem à sensação; a priori, porque já se encontram em nosso espírito.
As duas formas puras “a priori” da intuição sensível são o espaço e o tempo.
2) Noção do espaço em Kant
O espaço não é derivado das experiências exteriores; as relações entre fenômenos exteriores só são possíveis mediante a prévia existência da representação do espaço, que é uma intuição “a priori”.
O espaço é o fundamento de todos os fenômenos externos. “É impossível conceber que não exista espaço, ainda que se possa pensar que nele não exista nenhum objeto” (CRPura p. 54).
O espaço é essencialmente uno. Somente pode-se falar de diversos espaços, como sendo partes do espaço, as quais não podem precedê-lo como seus elementos; elas só se concebem inseridas no espaço uno e ominicompreensivo.
A primitiva representação do espaço é uma intuição “a priori”, e não um conceito, porque no espaço, segundo Kant, todas as partes coexistem no infinito e nenhum conceito contém uma multidão infinita de representações.
Como conseqüências temos que:
O espaço não representa nenhuma propriedade das coisas, nem de suas relações entre si; “não é mais do que a forma dos fenômenos dos sentidos externos, quer dizer, a única condição da sensibilidade, mediante a qual nos é possível a intuição externa”. (C.R. Pura p.37).
A representação do espaço apenas tem significado debaixo do ponto de vista humano; nada significa se sairmos da condição subjetiva. Assim sendo, o espaço compreende todas as coisas como elas nos aparecem exteriormente (os fenômenos), mas não todas as coisas em si mesmas, sejam ou não percebidas ( o númeno).
O espaço é a única representação “a priori” de tudo o que é externo.
3) Noção do tempo em Kant
O tempo não é derivado de nenhuma experiência; pelo contrário, só percebemos a simultaneidade e a sucessão porque a representação “a priori” do tempo lhes serve de fundamento.
O tempo serve de base para todas as intuições e mesmo que se suprimisse toda a realidade dos fenômenos, o tempo, como condição geral de sua possibilidade, não pode ser suprimido.
A representação do tempo não é um conceito, mas uma intuição “a priori”, porquê apenas podemos representar o tempo por um objeto único. Quando falamos de tempos diferentes, nos referimos a diversas partes de um mesmo tempo; e quando limitamos uma quantidade limitada de tempo, isso só é possível levando em conta um único tempo que lhe serve de fundamento.
Somente na representação do tempo – sendo esta representação uma intuição “a priori” – é que são possíveis conceitos de mudança e movimento.
Como conseqüências temos que:
O tempo nem subsiste por si mesmo, nem pertence às coisas como determinação objetiva; nada mais é do que a forma do sentido interno. O tempo não é determinação de fenômenos externos; ele determina a relação das representações em nossos estados internos.
O espaço somente serve como condição “a priori” dos fenômenos exteriores; já o tempo é condição “a priori” de todos os fenômenos interiores e a condição imediata dos fenômenos exteriores.
Se todos os fenômenos exteriores estão sujeitos às relações de espaço, todos os fenômenos em geral estão sujeitos às relações de tempo.
O tempo nada mais é senão a condição subjetiva de toda a nossa intuição.
O tempo e também o espaço como formas “a priori” da intuição sensível pertencem real e necessariamente ao fenômeno; porém, não devemos buscar estas formas nas coisas em si mas no sujeito a quem aparecem.
4) Considerações finais sobre a concepção Kantiana
Kant rejeita a posição de que o espaço e o tempo são duas entidades reais subsistentes por si; rejeita também a posição daqueles que defendem o espaço e o tempo como simples relações entre as coisas, que não deixariam de subsistir, mesmo quando não fossem percebidas como objetos de intuição.
Para Kant o espaço e o tempo são formas de intuição.
A realidade do espaço e a do tempo apenas podem ser afirmadas com relação ao fenômeno, e não ao númeno, que não é atingido pela nossa faculdade cogniscitiva.
Por fim, o espaço e o tempo deixariam de ter significado se excluíssemos nossas condições subjetivas.

IV – O Tempo e o Espaço em Bergson

1) Intuição – Caminho para a compreensão do Espaço e do Tempo 
Para Bérgson, não é através da abstração, por meio da qual chegaríamos ao conhecimento das causas, partindo de considerações sobre os efeitos, que poderíamos compreender melhor o Espaço e o Tempo. Isto o conseguiríamos pela intuição, quando procurando coincidir com esses mesmos efeitos, experimentaríamos o próprio surgir dos mesmos.
Através de um esforço intuitivo, somos capazes de penetrarmos em nós mesmos e, coincidindo com nós próprios, percebemo-nos num contínuo mudar, como um devir incessante; a cada instante que passa, somos diferentes daquele que fomos.
Este mudar, este devir contínuo que intuímos em nós, e que intuímos também em toda a realidade, que é força criadora, é o que Bergson chama de “élan vital”.
É neste “élan vital” que é o próprio fazer-se do universo, que é a própria substância da realidade, que encontramos o tempo bergsoniano.
2) Incapacidade da ciência para atingir o tempo real
A ciência nos dá o tempo em função do espaço. Se todos os movimentos variassem, as fórmulas matemáticas nada acusariam; mas, dentro de nós, sentiríamos essa variação. Partindo desse fato Bérgson conclui pela incapacidade da ciência em atingir o tempo real.
Para Bergson, a ciência ao estudar o tempo e o movimento só reteria a simultaneidade e a imobilidade, respectivamente, porque, para estudá-los, o faz em função do espaço.
Além disso, o erro do conhecimento discursivo é querer atingir o que é qualitativamente diverso, num todo homogêneo. Ora, na realidade, a duração é “uma multiplicidade toda ela qualitativa, uma heterogeneidade absoluta de elementos que vêm fundir-se uns nos outros” (Essai sur les données immédiates de la Conscience, p. 176).
É grande a tentação da inteligência, de tudo espacializar, inclusive nossos estados interiores. Pela inteligência, tudo é visto por meio de símbolos, que não podem nos dar senão uma caricatura da realidade. Isto leva, inevitavelmente, à exteriorização e à quantificação do que é interior e qualitativo.
Finalmente, contra a teoria da relatividade, Bergson afirma a existência de um único tempo real, seja qual for o modo de entender os tempos múltiplos de que trata aquela teoria.
3) A intuição do Tempo
Ao intuirmos o tempo, colocamo-nos no interior da própria duração. Coincidimos com o “élan vital”.
Inseridos no “élan vital”, surpreendemos a própria criação, o próprio fazer-se das coisas; atingimos, não os seres, mas o fazer-se desses mesmos seres. Não deduzimos a existência da causa a partir do efeito, mas experimentamos a ação dessa mesma causa durante o produzir-se do efeito.
Na intuição de uma obra de arte, o que menos importa é a obra enquanto acabada mas, o surgir mesmo da obra do artista, o movimento criador da obra de arte.
O tempo para Bergson é um contínuo mudamento, é também criador, está sempre criando algo novo.
No tempo, tudo é novidade; não podemos prever hoje uma situação a se realizar amanhã, mesmo que fôssemos capazes de saber o que vai acontecer, porque estando situados no mudamento, não seremos amanhã o que somos hoje.
A duração para Bergson é pura heterogeneidade: nada tem de quantitativo; é sucessão de mudanças qualitativas.
Para haver duração, é necessário, segundo Bergson, a existência de um ser consciente capaz de percebê-la.
Só existe duração consciente. Assim, quem não tivesse consciência da duração, não estaria na duração.
Bergson realça o mudamento; deixando de considerar mais profundamente o sujeito do devir e passa do fato de mudarmos para afirmar que somos mudamento.
4) A exteriorização em direção ao Espaço. 
O real, em sua marcha no tempo, tende por um lado a se condensar em direção à eternidade e por outro, a se diluir no espaço em direção à materialidade.
Bergson afirma que, ao recordar-nos de nossos estados passados, temos a tendência de exteriorizarmos as nossas recordações, colocando-as umas ao lado das outras. Este mesmo movimento, quando levado mais longe, é que constitui a matéria, sendo o físico nada mais que o inverso do psíquico.
As partes da matéria, no entanto, não se encontram exteriorizadas de tal maneira que uma seja totalmente independente das outras, o que seria a espacialidade perfeita. Mas, todas as partes da matéria se interpenetram, isto porque umas agem sobre as outras.
O movimento para a espacialização, que começa com o distender do nosso passado em recordações e prossegue com o estender-se da matéria, não terminou, porque a matéria se encontra a estender-se.
Concluindo, vemos que ao contrário da maioria dos filósofos, Bergson valoriza mais o tempo do que o espaço e nos apresenta a realidade como sendo um mudar-se contínuo no tempo.

V- Temporalidade e Espacialidade no Existencialismo

1) A espacialidade em Heidegger e Sartre
A noção de espaço em Heidegger está relacionada com o “Dasein” que é ser-no-mundo, ser aberto para o mundo. Heidegger considera separadamente a espacialidade do mundo, a espacialidade do “Dasein” e a espacialidade do espaço.
A espacialidade do ser intramundano é determinada pela “preocupação”; assim um objeto mesmo longínquo, pode estar próximo de mim se for útil e um objeto colocado junto a mim, não está próximo; se não me for de qualquer modo útil, posso ignorar-lhe a existência.
O “Dasein” está no espaço. A espacialidade do “Dasein” somente lhe convém em função ao seu modo próprio de ser-em, que não é o modo das coisas. O “Dasein” é espacial e espacializante; tende a integrar no seu mundo o maior número de objetos que são organizados, pelo próprio “Dasein”, à sua volta. O mundo do “Dasein” é cada vez mais próximo de si.
O espaço do mundo é o campo de possibilidade do “Dasein”, que é constituído pelas relações existentes entre os diversos objetos.
Para Sartre, o homem não é uma coisa. As coisas estão localizadas umas ao lado das outras no espaço. As coisas se organizam sem distâncias ao redor do homem. Assim, objetos que se encontram a certa distância de mim, como coisas-utensílios formam comigo um todo unívoco. As coisas que quando em relação comigo, pela minha presença ou pelo meu olhar, organizam-se à minha volta, constituem a minha espacialidade.
Tanto para Heidegger como para Sartre, a espacialidade não é considerada levando em consideração as distâncias físicas, mas as distâncias em relação ao homem; e, as coisas estarão mais ou menos próximas ao homem conforme sejam ou não relacionadas com ele, como um objeto útil. É o homem que determina as distâncias: é ele que espacializa as coisas.
2) A temporalidade em Heidegger
Para Heidegger, o “Dasein” tem acesso à vida autêntica quando, pela “Resolução”, assume sua própria existência na perspectiva de ser-para-a-morte. Embora nada mude no mundo, assumindo a existência resoluta, o “Dasein” passa a apreender os outros e o mundo por um aspecto novo. Pela “Resolução”, o “Dasein” redescobre o mundo, passa a tolerar de modo absoluto os outros e tudo lhe é apresentado sob a perspectiva da morte e da aceitação da culpabilidade original; isto é um sentimento de culpa que angustia o “Dasein”.
Este que teve acesso a vida autêntica, que assumiu a existência resoluta é essencialmente temporal.
A “resolução” está ìntimamente ligada com o futuro, porque, pela “resolução”, o “Dasein” assume as suas possibilidades, e, de maneira particular, assume a possibilidade da morte. Assim o “Dasein” é também passado, porque a aceitação da morte é aceitação da culpabilidade original.
A “resolução” torna presente o futuro ao assumir a possibilidade da morte, torna presente também o passado por aceitar a culpabilidade original. Assim o “Dasein” é presente por ser simultaneamente passado e futuro.
Ainda para Heidegger, o tempo é ao mesmo tempo um e múltiplo; uma unidade estática que contém o presente, o passado e o futuro, que são os três êxtases da temporalidade.
Se tivéssemos a supressão da multiplicidade, o tempo deixaria de existir; surgindo em seu lugar uma pura presença imóvel. Ao contrário, suprimindo a unidade, o tempo seria abolido, em virtude da separação entre o presente, o passado e o futuro.
Podemos dizer que o “Dasein” é temporalizante e que o mundo exterior depende da temporalidade. Não existindo “Dasein”, não existe possibilidade de existência do mundo exterior.
Da preocupação como ser-para-a-morte e em virtude da temporalidade ser considerada em relação ao “Dasein”, Heidegger conclui a finitude do tempo.
3) A temporalidade em Sartre
Para Sartre, os seres ou são “ser-em-si” ou são “ser-por-si”. O “ser-em-si” é o ser voltado sobre si mesmo, o ser do fenômeno. O “ser-em-si” é o ser no pleno sentido da palavra; é o que é e nada mais. O “ser-por-si” é o ser da consciência.
A consciência não existe em si, é sempre consciência de alguma coisa. Esta coisa de que a consciência é consciência, é o “ser-em-si”; a consciência é transparente a si mesma, o “ser-em-si” é empastado sobre si mesmo.
O por-si é um nada de ser, é a relação com o em-si. O por-si é a tentativa do em-si em se fundamentar, mas esta tentativa leva à degradação do em-si.
Apenas o por-si, porque é transparência, é capaz de conhecer, é capaz de estabelecer relação com e entre os seres, exatamente porque é um nada de ser.
O por-si lança-se em busca de suas possibilidades as quais ele não alcança. A esta continua fuga, encontra-se ligada a temporalidade.
A temporalidade é uma totalidade que dá sentido ao passado, presente e futuro. Não é a simples soma desses elementos.
A análise fenomenológica da temporalidade nos mostra que sou meu passado, porque o mesmo apenas existe por mim; porque, se eu não existisse, o meu passado não existiria. Além disso, sou obrigado a assumir o meu passado e não qualquer outro. Por outro lado, no entanto, não sou o meu passado enquanto eu o apreendo como o que eu era.
O que sou, como meu passado o é, na forma do ser-em-si. Ao contrário do passado, o presente é por-si.
Na co-presença de uma multidão de em-si e um por-si, temos o presente. No entanto, o presente é a presença aniquilante do “por-si” em “em-si”, enquanto o por-si percebe-se como não sendo o ser em que está presente.
O presente tem em si, de certa maneira, o passado e o futuro, enquanto ele não é o que é (passado) e é o que não é (futuro).
O futuro é o por-si como possibilidade de ser, é o projetar-me para o em-si. O futuro é “aquilo que o por-si se faz ser enquanto se apreende como inacabamento perpétuo, relativamente a ele mesmo; é tudo que está para lá do ser” (Régis Jolivet – Doutrinas Existencialistas – p. 222).
A temporalidade não é uma justaposição estática de momentos, na qual estivesse contida todos os seres. A temporalidade só se compreende como a estrutura interna do por-si que se aniquila constantemente em em-si.
A temporalidade tem origem na corrida da realidade humana atrás de si mesma; é um nada que penetra sob a forma de tempo na totalidade do homem e a dispersa em passado, presente e futuro.
Finalmente a temporalidade original que determina o por-si não deve ser confundida com a temporalidade psíquica que é a simples sucessão de fatos psíquicos.
4) A Noção de Eternidade em Jaspers e Kierkgaard
Para Jaspers a existência é ao mesmo tempo temporal e intemporal. O presente não pode ser reduzido nem ao passado, nem ao futuro, mas contém como numa síntese o passado e o futuro. É no instante que sintetiza passado e futuro num único presente que encontramos a eternidade.
No seio do tempo, a duração entre o começo e o fim é uma plenitude intemporal. Para Jaspers, o instante sintetiza em si o temporal e o intemporal. É um presente eterno.
Kierkgaard centralizou sua vida e suas reflexões no mistério do Cristo e, para ele o instante é o momento decisivo da existência e da liberdade, não se refere à dialética do passado e do futuro no presente, mas ao corte do tempo pela eternidade na revelação divina.

VI. - O tempo bíblico e o tempo mítico

Para o pensamento bíblico, a noção de tempo tem uma grande importância, quer por sua originalidade, quer pela complementaridade com a noção de eternidade. Ao contrário de outras religiões, nas quais o tempo tem um caráter cíclico e eterno, na Bíblia, tem sua origem e progride em direção ao escatológico. É envolvido e penetrado pelo eterno, mas, não é eterno.
“O sentido bíblico do tempo orientado, da liberdade construtiva do futuro e ordenada a esse entrecruzamento do eterno com o temporal, na revelação cristã torna-se na linguagem evangélica, e na ulterior reflexão filosófica e teológica sobre esta fé, o elemento kairológico, o sentido eminente do acontecimento que encarna o eterno no temporal, dando pleno sentido ao tempo”. Logos vol. V 74/75.
Enquanto o tempo bíblico transcorre em vista ao escatológico e, portanto é um tempo de esperança, o tempo mítico está voltado para as origens, é um tempo de memória e tradição.
“... o tempo das origens ou tempo mítico é também um tempo primordial, qualitativamente diferente do tempo empírico,... O tempo das origens pertence à ordem do imaginário, aquém da dissociação da imagem e do conceito. É por isso que nele coexistem a anterioridade cronológica e a simultaneidade fundacional”.Logos vol. III 1260/1261.