O realizar-se do Homem na busca da Verdade

1. A Vocação do homem: A auto-realização

A palavra vocação refere-se, num sentido religioso, à escolha e conseqüente vivência de um estilo de vida ministerial, consagrada ou laica; num sentido social, à escolha e ao exercício de determinada profissão.
Qual a vocação existencial de cada homem? A sua auto-realização ou, em terminologia religiosa, a santificação. Sòmente o santo, não importa sua religião, é um homem plenamente realizado.
Sua auto-realização, o homem a consegue, passo a passo durante o transcorrer de sua existência, desenvolvendo seus talentos e inserido nos condicionamentos de sua vida.
É no realizar de sua personalidade, através de atos livres e conscientes, que o homem se realiza. Mas este realizar-se, pelo qual o homem torna-se responsável, não é automático e sem qualquer rumo ou objetivo.
O homem tenciona alcançar um sentimento de satisfação e paz interior em seu próprio “eu”. Para isto deve desenvolver os talentos e dons, que se encontram potencialmente em sua alma ou, foram recebidos através da sociedade.
Para que o homem se realize, a finalidade de desenvolver talentos e dons não é arbitrária, nem indiferente; deve estar relacionada com o projeto que cada homem estabelece para si próprio e, deve visar sempre o criar, nunca o destruir.
É no contato com o mundo exterior, através de sua contemplação, de sua utilização e do trabalho, que o homem encontra meios para seu próprio crescimento e realização. É principalmente, no contato com seu semelhante, através do Diálogo, que o homem cresce e, recìprocamente, propicia ao outro seu crescimento.
O desenvolvimento de virtudes, tais como a humildade, a coragem, a temperança, a prudência e muitas outras; e, ao mesmo tempo, o combate aos vícios e aos venenos que encontra em sua alma, como o orgulho, a inveja, o ciúme, e egoísmo, etc., dá ao homem fôrça para sua contínua luta, em busca da auto-realização. Esta se conquista, passo a passo, é um realizar-se constante que nunca se completa, sempre há algo em que melhorar, algo em que crescer.
Falha o homem quando procura sua auto-realização, fora de si mesmo; quando se deixa enfeitiçar pelo canto da sereia, deixando-se iludir pelos apelos do prazer, do dinheiro, do poder e da fama. Nestes casos a autorealização é ilusória e o homem, ao invés de se realizar, se dispersa na ilusão da vaidade e da mentira.
O homem falha também quando procura realizar-se dentro de si, exaltando seu próprio egoísmo, não reconhecendo o direito do próximo e procurando dominá-lo, tornando-o um objeto de seus desejos, desprezando-o e ignorando-o Nêste caso cedo ou tarde, sentirse-á isolado e entregue a completa solidão, será um homem perseguido pelo remorso e pela infelicidade: jamais se sentirá realizado.
Para alcançar a própria realização, o homem deve esquecer-se de si próprio, para doar-se ao próximo, e procurar alcançar a sua realização e a do próximo, numa comunidade de amor. O homem realizado é aquele que soube desenvolver em si as virtudes que o dignificam. O homem realizado é o homem justo.
A auto-realização completa e definitiva do homem é a posse plena de sua verdade, assim o próprio realizar-se é sempre uma busca da Verdade. 

2. A grande Aventura: A Busca da Verdade

Não é a conquista do espaço, nem das profundezas dos oceanos; não são as descobertas da física subatômica, nem das estruturas mais profundas do psiquismo humano; não é a busca de superação dos limites do homem, nem a descoberta de mais perfeitos meios de comunicação que tornem o mundo ainda mais próximo e familiar. A grande Aventura do Homem é a Busca da Verdade.
A verdade não é a coerência interna de uma afirmação, nem a concordância entre o conceito e a realidade, nestes casos estamos falando de certeza, de correção e não de verdade.
Uma afirmação é certa ou correta, quando não contém erros; é verdadeira, quando exclui a mentira.
A verdade está na palavra de um testemunho, a verdade esta na coerência de uma vida.
A verdade é transparente e consistente. A verdade não admite dúvidas, quando pronunciada, o é definitiva e com firmeza.
A mentira é traiçoeira e perigosa, sua característica principal é a má fé. Tanto a verdade como a mentira são livres e conscientes, seus objetivos são opostos. A verdade visa o desvelamento do acontecido; a mentira o seu disfarce para ocultar e deformar a verdade, conforme interesses escusos.
Como cada homem possui sua própria personalidade, personalidade esta construída durante sua própria vida, o homem, podemos dizer, possui sua própria verdade. Assim, muitas vezes, quando em presença de um acontecimento, as interpretações são conflitantes, um julga o outro estar mentindo, mas nem sempre é o que acontece, são apenas diferenças de perspectiva no ver e no interpretar.
A própria personalidade é criada pelo homem através de atos livres e conscientes, o mesmo não acontece com a verdade, esta se revela ao homem durante o desenrolar de sua existência.
As limitações e imperfeições do homem fazem com que sua verdade seja limitada e imperfeita, porém o homem quer encontrar a verdade absoluta. Para se aproximar do conhecimento da verdade absoluta, o cultivo das virtudes e, especialmente da Fé, são de grande importância.
O viver sua vocação existencial, a auto-realização que aproxima o homem da santidade, só é possível, numa busca constante pela Verdade.
A Verdade é a luz que ilumina nossa existência; é a bússola que norteia o nosso caminho, em busca da coerência e da transparência, levando-nos a uma vida plena de amor e de realização.
Muitos em sua vida de entrega ao próximo chegaram no limiar da conquista da Verdade, como Cristo que a viveu intensamente, e, que a concretizou ao sacrificar-se por amor aos pecadores, para alcançar-lhes o perdão.
Assim a verdade de cada homem, depende da coerência de sua vida com seu credo e com seus ideais.
A verdade é a afirmação do homem que se revela ao outro, na transparência de seu ser, sem disfarces, nem mentiras. A sua posse não é completa, nem definitiva, mas realiza-se na busca constante, sempre em comunhão com o outro.
Na busca da própria felicidade, o homem é iluminado pela verdade; que lhe mostra ser essencial o encontro com o próximo, e que só neste encontro é que a felicidade se realiza.
O homem que busca a Verdade, já a possui, ou melhor, é possuído pela Verdade, que iluminando seu caminho e sua vida, desvela o véu que encobre, seu próprio eu, o outro, os entes e o próprio Ser.

3. Questionando o Princípio de Identidade

Lobatschewski e Riemann ofereceram alternativas ao teorema das paralelas de Euclides, assim criaram geometrias paralelas à de Euclides, que não invalidam esta, mas que contribuem para o progresso científico.
No pensamento filosófico o princípio de identidade permanece absoluto e inquestionável. Mas, gostaríamos de sugerir uma alternativa, um princípio que fosse expresso assim:
“O ser, não é; o ente é e não é”.
Justifiquemos primeiro a afirmação de que o ente é e não é:
a) no nível puramente material, por exemplo; uma pedra é uma pedra e não é água, não é ar, não é fogo, etc. O ente sendo um determinado ente, não é uma infinidade de outros entes.
b) no nível espiritual ou das idéias e conceitos; a idéia de unidade exclui a de multiplicidade, a de beleza, exclui aquela de feiúra e assim por diante.
c) no confluir do espiritual e do material: embora, o corpo e a alma se relacionem de tal forma no interior do ser humano que formam uma unidade indissolúvel; o corpo é o corpo, mas não é a alma; a alma é a alma, mas não é o corpo.
d) no nível dos sentimentos, a justiça supõe a honestidade, mas nem a justiça é a honestidade, nem esta é a justiça.
Agora verificaremos se o Ser é ou não é?
a) admitindo-se a existência absoluta do Ser, na qual o não ser não pode se encontrar, o Ser absoluto é perfeito, imutável, eterno, etc. como justificar a existência dos entes?
b) os entes participam no ser, mas o que significa este participar? Não levaria a confusão entre o Ser e os entes? Não indicaria o caminho para o panteísmo?

c) o ente revela o Ser; como o ente que é contingente, imperfeito, limitado, etc. poderia revelar o Ser necessário, perfeito ilimitado, etc.?
d) Querer identificar o Ser parmediano com Deus é esquecer que Deus não pode ser compreendido pela razão humana, não pode ser expresso pelo pensamento conceitual e abstrato. Neste Deus frio construído pelo homem; só para justificar o Ser-ente-supremo que não passa de conceito, que não passa de puro nome, eu não creio.
Concluindo o Ser necessário e perfeito conforme o pensamento dos homens não existe, não é. O Deus que é mistério e que se revela aos homens, este sim existe e nos ama.

4. A procura da Transcendência: O Encontro com Deus

A existência humana transcorre no espaço e no tempo, entre dois extremos; o nascimento e a morte. É dentro desses limites que nos propusemos a refletir sobre a essência do homem, não nos pareceu legitimo ultrapassa-los; mas, em nossas reflexões encontramos pontos que nos apontam para outras realidades que não as espácio-temporais; a misticidade, as virtudes da Fé, da Esperança e da Saudade, além dos portais da Eternidade.
É a procura de uma razão que fundamente todo o existir; esta não a tendo encontrado no seio do Universo, é possível que a encontremos no que o transcende. É a procura da Transcendência.
Embora o raciocínio conceitual não tenha sido convincente em suas tentativas de provar a existência do Ser Transcendente, devemos procurar encontrá-lo por outros caminhos.
É no transcorrer da existência que Deus, o ser transcendente, se revela ao homem, quando e como quer. É um revelar-se, na gratuidade do amor, em que tôda a iniciativa pertence ao próprio Deus, que acontece o Encontro entre o homem e seu Criador. Esta revelação aconteceu na iluminação de Buda ou de Mahâvira, no diálogo com Moisés e, principalmente na encarnação de Cristo.
Em Cristo, Deus se revela definitivamente ao homem e traz esperança e amor divino para toda a humanidade. Cristo, por sua morte completou a realização plena de um homem, tornou-se verdade plena e absoluta, não mais verdade a ser encontrada, mas verdade realizada.
Deus que se revela aos grandes místicos revela-se também a todos os homens que vivem a sua fé: para os cristãos, na fé em Cristo, nosso Senhor e Salvador.
O Deus da Revelação, não o Deus dos conceitos abstratos é o Deus criador, que nos criou por amor e por amor nos sustenta na existência. É o Deus que se revela no mistério do amor; não há necessidade de perdermos tempo em imaginarmos suas qualidades e características, nem suas relações com os entes contingentes. Não conseguiríamos saber muita coisa, nem este conhecimento nos ajudaria em nada.
Importante sim é respeitarmos o Mistério do Deus que é Amor.
Deus se revela aos homens como um mistério inefável, que ao mesmo tempo é atraente e terrificante, como nos ensina Rudolf Otto. Deus entra em relação dialógica com os homens, é o Tu eterno que nunca se degrada num isso. É o Outro que nos atrai e dá sentido a nossa vida.
Nas mais diversas religiões, a experiência mística, o contato com Deus é sempre dialógico. Deus se revela na natureza, na história, na cultura, mas é principalmente através do diálogo que esta revelação se concretiza e se torna mais evidente e mais clara. Para dialogar com Deus, o homem ora e medita. 

A Oração

Através do Diálogo o homem comunica-se com o outro, através da Reflexão comunica-se consigo próprio, através da Meditação e da Oração comunica-se com Deus.
A meditação é a própria reflexão, quando dirigida à consideração das realidades divinas. É meditando que o homem melhor compreende Deus. O mistério divino parece mais próximo quando percebido do interior da própria alma. A meditação aperfeiçoa o conhecimento de Deus, mas não O torna menos misterioso.
A oração é o diálogo entre o homem e Deus, é o contato entre a criatura e o Criador. Na oração o homem fala a Deus de seus problemas, de sua vida, de seu ser.
Ao orar o homem louva a Deus, pede-lhe perdão, solicita-Lhe auxílio e agradece-Lhe.
Louvando a Deus, prostra-se por terra e adora-O; reconhece seu próprio nada perante a infinita grandeza d’Aquele a quem se deve a existência de todos os seres.
Perante o Criador, confessa seus males e pede perdão pelos próprios pecados.
Confiante na bondade divina, fala de seus problemas, sofrimentos e dificuldades; solicita o auxílio necessário para vencer os obstáculos que encontra em seu caminhar.
Finalmente, agradece-Lhe os incontáveis dons, que continuamente tem recebido, a começar pelo dom de sua própria existência.
Á palavra do homem, Deus responde como um Pai; ao filho indigno perdoa e concede seus dons.
A resposta de Deus é profunda e silenciosa. O silêncio de Deus penetra o mais recôndito da alma humana e transforma-a completamente, tornando-a semelhante ao próprio Deus. A palavra divina, toda ela silenciosa é uma comunicação perfeita e completa.
O homem, no entanto, cego e surdo, é transformado pela divina resposta, mas não a escuta e nem a compreende.
Na oração o homem fala e a compreensão de Deus penetra muito além de sua palavra, Deus
conhece o homem em sua totalidade; Deus responde, o homem crê em sua resposta,mas não a pode
escutar.
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Concluindo, em nossas reflexões acerca da essência do homem, sem esquecermos que nosso objetivo central foi um melhor conhecimento existêncial e holístico do homem, consideramos também o Mistério do Universo e chegamos a vislumbrar o Supremo Mistério de Deus.
Embora não possamos afirmar por meio de argumentos irrefutáveis a existência de Deus, com Pascal nela apostamos. Apostamos com certeza de ganhar, pois a presença de Deus entre os homens é tão evidente, que ninguém em sã consciência pode negá-la.
Quando penetramos o místico e o religioso, quando queremos viver na presença do Sagrado, para o nosso conhecer, mais importante, são a Fé, a Esperança e a Caridade do que todo e qualquer raciocínio por mais bem elaborado que seja.
“O homem é uma Liberdade que se afirma na busca da Verdade.”