O Eu e a Intersubjetividade - O Encontro com o Outro (A Intersubjectividade)

1. - Em seu relacionar-se com os seres exteriores, especial atenção merece o relacionamento com os outros homens.
Neste relacionamento, pode-se considerar o outro como mais um dentre os seres intramundanos e, assim o analisarmos ou em suas diferentes perspectivas e aspectos, ou nos diferentes papéis que assume ou que lhe atribuímos.
O outro homem é analisado em suas diferentes perspectivas quando a atenção é focada na constituição anatômica de seu corpo, na função e no desempenho de seus diversos órgãos e aparelhos biológicos, no aspecto psicológico e, ou no emocional de seu agir, ou ainda em suas relações de caráter econômico, político, social, etc. Nestes casos, para uma análise melhor e mais objetiva, é importante que, quem analisa, focalize sua atenção apenas no aspecto analisado e procure neutralizar ao máximo a interferência subjetiva.
Analisar os diferentes papeis assumidos ou atribuídos ao outro homem é considerá-lo como: transeunte, usuário, cliente, freguês, comerciante, professor, aluno, médico, advogado, político, padre, delegado, etc. É considerá-lo em seu papel permanente ou passageiro, que exerce em suas relações sociais.
Em ambos casos, o homem é considerado objetivamente e tornado um objeto entre outros. Em ambos os casos, permanecemos no domínio do problemático, da relação sujeito-objeto que caracteriza as análises abstratas e conceituais, necessárias para a solução de problemas, que se encontrem à nossa frente, mesmo que relacionados com o homem.
Mas, o homem não se esgota nas diferentes perspectivas pelas quais é analisado, nem nos diferentes papéis que assume em suas relações sociais. O homem é uma pessoa, um “eu” integrado, único e original, que não pode ser objetivado, se queremos alcançar um conhecimento concreto e existencial.

2. – Em sua análise sobre o olhar, Sartre nos mostra que enquanto com o nosso olhar nadificamos o ser do outro, o seu olhar nos escraviza. O olhar exerce uma função “coisificadora”, faz do para-si um em-si. Para Sartre, a existência do outro é uma ameaça ao eu e ao seu mundo. Esta análise nos leva ao encontro a presença do outro, presença ameaçadora, mas sempre uma presença que não pode ser perscrutada pela análise objetiva-conceitual; apenas podemos considerá-la como um mistério.
É Marcel, Buber, Madinier, Nedoncelle entre outros que nos indicarão o caminho para penetrarmos e compreendermos o mistério do outro.
Dá-se o contato com outro quando o homem percebe que êste não é um objeto entre objetos, nem mesmo um homem entre homens, mas um outro eu que ali se encontra em sua frente, questionando-o e desafiando-o. Neste instante, o homem deixa a dimensão do problema para ingressar na dimensão do mistério, que o envolve em seu relacionar-se com o outro.
O outro deixa de ser simplesmente um outro, para transformar-se num outro eu, num tu. Desde êste momento, o importante não é mais nem o sujeito, nem o objeto, mas a relação que se estabelece entre os dois, a relação eu-tu.
Esta relação é realizada pelo amor, pelo amor mútuo, pois só o amor pode penetrar a intimidade da pessoa sem destruí-la. Esta relação, ao contrario da analise sartriana é criativa e não destrutiva, enriquece e não destrói a personalidade nem do eu, nem do tu.
O outro pode apresentar-se como ameaça, quando permanece objetivado, numa relação eu-isso; não quando torna-se presença e integra a relação eu-tu.
Na presença do tu, a responsabilidade do eu torna-se maior, porque agora é responsável perante o tu. Podemos afirmar que a realização completa do eu realiza-se em sua relação com o tu.

3. – O relacionar-se existencial, conforme a relação eu-tu realiza-se no encontro entre duas pessoas que entram em comunhão de amor. Esta comunhão de amor, num nós concreto, pode se realizar também com a participação de varias pessoas, como, por exemplo, numa família onde o amor presida o relacionamento entre os membros. Neste caso e em outros similares, a pessoa de cada um é preservada em sua original identidade.
A intersubjetividade não se caracteriza apenas pelas relações históricos-sociais entre os homens, importantes, mas incapazes de penetrar a própria essência da pessoa humana, caracteriza-se pela reciprocidade entre os homens que buscam a realização e a felicidade de todos pela concretização do amor.
Gostaria de afirmar com Gabriel Madinier que amar é querer e promover mùtuamente “um eu para ti e um tu para mim” na intimidade e comunhão de um nós.
Esta relação eu-tu ampliada na vivência de um nós e realizada no amor, pode ampliar-se ainda mais para toda uma comunidade, ou toda a humanidade para se superar e otimizar integrando todo o Universo, numa comunidade cósmica, como o fizeram São Francisco e Teilhard de Chardin.
Esquecendo-se de si próprio e abrindo-se para o próximo, a vida ganha novo significado, amplia-se no amor e, misteriosamente o homem que esquece de si, por amor ao próximo, é o único que se encontra e que se realiza.
Deixando de lado as preocupações mesquinhas com nosso bem estar, com nosso próprio lazer e com nossa auto-realização, passamos a olhar o outro com amor e responsabilidade, compreendemos que o crescimento do próximo, mesmo que nos seja desconhecido, é de nosso interesse, porque a ele estamos unidos por amor numa comunidade de pessoas, não de objetos. Nossa vida ganha mais Luz e mais significado.

4. – Neste relacionar-se, a presença do outro nos questiona; por um lado, é uma ameaça à nossa intimidade; por outro, a perspectiva de conhecendo-o, conhecermo-nos melhor.
O outro, sendo-nos semelhante, nos exige atenção e respeito. Em nosso agir não podemos desconsiderá-lo, desconhecendo sua presença; ao contrario, devemos agir sempre em resposta às suas solicitações, às suas necessidades. Estamos de tal modo unidos ao outro que êste chega a interferir em nossas decisões.
Na relação eu-tu, tanto o eu como o tu, encontram-se envolvidos pelo mistério. Torna-se necessário penetrarmos nesse mistério para melhor conhecermos ao outro e a nós mesmos.
É através do Diálogo e, somente através do Dialogo que poderemos penetrar o Mistério, não para desvendá-lo, mas para torná-lo mais claro e compreensível.