Virtudes que dignificam o Homem

Preliminares

Nos mais diversos acontecimentos, sempre aparece a questão da Justiça, isto que aconteceu foi ou não foi justo? O critério utilizado em determinado julgamento ou, na atribuição de responsabilidades, é um critério justo? Esta determinada pessoa é uma pessoa justa? Há justiça nas relações internacionais? Mas afinal o que vem a ser a justiça e qual a sua importância para o realizar-se do homem?
Não nos interessa aqui analisarmos as diversas formas e tipos de justiça, nem suas relações com o direito, com a política, com a moral, etc. tudo isso já foi muito bem estudado e tematizado. O que nos interessa é considerar a Justiça, como virtude que contribui para a revelação e realização do homem como ser capaz de assumir valores em sua concretude individual. 

As dimensões do Julgar

Quando um fato acontece e é levado a julgamento, não importando se é um fato corriqueiro ou um crime; nem se é julgado por pessoas que com êle entraram em contato, ou por um tribunal; se êste julgamento baseia-se na opinião comum com suas normas não escritas, ou no código de direito penal: o que prevalece é a lei, escrita ou não.
Esta dimensão a que daremos o nome de legal, deveria ser a última a ser considerada; após, um acurado e exaustivo exame das condições e evidências que cercam o acontecimento, a dimensão objetiva; e após, a consideração do testemunho de quem presenciou o acontecimento em pauta, a dimensão pessoal.

a) Dimensão Legal – O julgar baseado nas leis, torna todos os fatos iguais, não reconhecendo detalhes ou singularidades que tornam este fato diferenciado de outros que lhe são semelhantes. As conhecidas frases “A justiça é cega” e “lei é igual para todos” podem ser fontes de grandes injustiças. É preciso ter discernimento para julgar.
Pior é o que pode acontecer quando são as pessoas que se autonomeiam juizes, sem um critério para julgar; condenam, mesmo que seja com uma fofoca desrespeitosa que pode se transformar em calúnia, julgando a pessoa do outro; podendo até, no caso de um crime, agindo dominados pela emoção do momento e inseridos no meio da multidão, ocasionar sérias injustiças, inclusive a morte de quem é inocente.

b) Dimensão Objetiva – Para que a justiça se estabeleça com mínimas chances de erro, é preciso primeiro uma análise e uma investigação minuciosa de todos as circunstâncias que cercam e que podem influir no fato a ser julgado; isto deve ser feito, com tanto mais cuidado, quanto mais importante e capaz de gerar conseqüências for o referido acontecimento.
Neste caso, mais do que com a objetividade, o compromisso de quem julga deve ser com a fidelidade ao acontecido. No observar, antes de qualquer análise ou conclusão precipitada, deve-se deixar que a realidade se revele no diálogo entre o julgador e o fato a ser julgado.
Esta fidelidade ao acontecido, para que haja justiça, deve estar presente não só em casos de transgressão ou observação das leis, mas em todo tipo de relacionamento entre os homens e, dêstes com os demais seres da natureza, incluindo até mesmo as pesquisas científicas.

c) Dimensão Pessoal – Nesta dimensão, ressalta-se a fidelidade à Verdade. Escutar o testemunho de alguém é acreditar em sua verdade, acreditar de que o mesmo relata aquilo em que acredita ser verdadeiro.
Excluímos de nossa consideração a má fé, daquele que afirma como verdadeiro algo de que não acredita, seja qual for a sua razão de o fazer, em lugar de afirmar a verdade, afirma a mentira. É o chamado falso testemunho, mas pelo simples fato de ser falso, não é testemunho.
O testemunho sempre é testemunho da Verdade, mas, devido as nossas limitações, a verdade que testemunhamos é sempre a nossa verdade, não a Verdade. Isto sempre pode ocasionar deficiências, imperfeições e mesmo erros em nossos testemunhos.
Digamos que observamos um determinado acontecimento, um desastre automobilístico, por exemplo, a distância e a perspectiva com que o observamos, a rapidez do acontecido e a primeira impressão do que presenciamos, bem como o nosso estado emocional naquele momento, influenciam a nossa observação. Quando instados a testemunharmos o desastre referido, testemunharemos a nossa observação e, não o desastre em si. Sòmente o testemunho de vários observadores poderá fornecer uma imagem mais exata do acontecido.
Mais complexo é o testemunho acerca de determinada pessoa. Êste testemunho sòmente pode ser pronunciado, após uma convivência com alguém por quem devemos testemunhar. Quanto mais íntima tiver sido esta convivência, melhor será nosso testemunho e, poderemos afirmar que na medida de nosso conhecimento, referida pessoa tem tais ou tais qualidades.
O testemunho pode ainda ser realizado, num relacionamento mútuo de entrega e dedicação amorosa pelo outro de toda uma vida e, até mesmo da própria morte.

A Justiça

Mais do que apenas atribuir a cada um conforme seu direito, ou virtude norteadora das relações humanas frente a sociedade, a política, a economia, a moral, ao direito, etc., a justiça revela o homem em seu interior mais profundo.
O homem anseia por justiça e, todos os ganhos e vantagens conseguidos injustamente não o satisfazem, ao contrário o angustiam e o tornam vítimas do remorso, porque são contra seu próprio interior.
Para que a Justiça se estabeleça entre os homens e, principalmente no interior de cada homem, se faz necessário o respeito pelo outro e pelo seu testemunho.
É preciso acreditar sempre, porque no testemunho pode haver erros, mas não mentiras. Somente quem ainda não construiu sua própria personalidade ou, a está deixando se deteriorar é que é capaz de mentiras, êste precisa de ajuda e correção.
A Justiça se constrói com fidelidade, transparência e, sobretudo verdade.
Em todas as instancias de nossa vida devemos ser fiéis, na amizade, no matrimônio, no trabalho, nas relações sociais, na vida religiosa, etc., pois a fidelidade nos traz satisfação interior e por parte dos outros, reconhecimento de nosso valor e de nosso caráter.
Agir com segundas intenções ou, complicar o que é simples e fácil, nos torna obscuros e difíceis de sermos compreendidos, não irão nos dar crédito nem acreditar em nossa palavra. A transparência permite que nos conheçam e assim seremos mais justos, pois não seremos capazes de esconder as injustiças que praticarmos ou vivermos.
Justiça sem verdade, não é justiça. Que a nossa palavra esteja sempre a serviço da verdade, que através de nossa fidelidade e de nossa transparência, a verdade de nosso existir possa se desvelar continuamente: assim intuiremos em nós a verdade da Justiça.

O Homem Justo

O homem justo cumpre seus deveres, mas sabe ser compreensivo com as falhas do próximo.
O homem justo cultiva a humildade e a honestidade. Pela humildade, reconhece suas limitações, sabe que também pode errar; pela honestidade, não se apropria do que não lhe pertence, sabe atribuir aos outros, o que lhes é devido.
O homem justo ama a Verdade, não se deixa macular pela mentira; é transparente, rejeita a falsidade.
O homem justo se angustia com o sofrimento dos que sofrem injustiça, dos que são excluídos; indigna-se com aqueles que são indiferentes pela injustiça praticada; revolta-se com os que tiram proveito com o estado de injustiça e, tudo fazem para o perpetuarem.
O homem justo denuncia as injustiças às autoridades; questiona os poderosos, quanto ao seu agir em relação aos mais pobres e necessitados.
O homem justo faz o possível e o impossível para colaborar e participar na realização de uma ordem social mais justa e mais fraterna.
O homem justo evita julgar, mas se o faz usa de misericórdia, sem transigir com a justiça.
O homem justo perante a evidência da culpa, sabe condenar, mas, também sabe perdoar.
O homem justo acredita no próximo e o respeita; quando este trilha o caminho do erro, sabe esperar por sua recuperação, por sua conversão.
O homem justo é coerente em seu viver. Sua vida é exemplo para os que o conhecem.
O homem justo assume a responsabilidade por seus atos e ensina a responsabilidade aos demais.
O homem justo revela-se por suas palavras, por seus atos e sobretudo pela coerência de sua vida.
Finalmente, o homem justo deixa iluminar seu caminhar pela justiça; e, também pelo amor.



A Fé

1. O homem precisa acreditar para viver. Acredita nas pessoas com que convive, acredita também nas informações que lhe são transmitidas.
É porque acredita que se alimenta por uma fruta que lhe disseram ser comestível e evita outra que lhe ensinaram ser venenosa. Assim, o bom senso leva a aceitar e a fazer muitas coisas, apenas por acreditar no que lhe disseram.
Em seus estudos, precisa acreditar no testemunho e nas experiências realizadas por historiadores e pesquisadores, que lhe são transmitidas por seus professores. Acredita nas informações que são veiculadas pela mídia, embora com certa reserva.
Em todos estes casos em que o acreditar é decisivo no adquirir de nosso conhecimento; e, que se referem ao senso comum, ninguém contesta; nem mesmo os cépticos, que afirmam tudo duvidar, no seu dia a dia vivem como todos os homens.
O questionamento acontece com relação aos chamados fenômenos paranormais e aos relacionados com o sentimento religioso.
A crença nos fenômenos paranormais tais como a telepatia, a premonição, a hipnose, acarreta muitas vezes a superstição e a credulidade, fazendo com que os homens acreditem serem sua origem e sua eficiência, devidas a seres superiores ou aos espíritos dos mortos. A parapsicologia tem procurado demonstrar que a origem destes fenômenos é a própria mente humana.
A crendice e a superstição estão presentes também em muitas manifestações do sentimento religioso, principalmente da religiosidade popular. Estas crenças são confundidas com a Fé; daí não ser de estranhar, que muitos neguem o valor da Fé, para nossa vida e para nosso conhecimento. Tudo procuram explicar por argumentos lógicos, mas o que conseguem é elucidar certas crendices e superstições que tornam a Fé descaracterizada e caracturizada. Submetida ao crivo da crítica, a Fé livra-se do que a deforma, tornando-se mais pura.

2 - A fé é confiança irrestrita depositada em um testemunho.
O meu conhecimento do conhecível é realizado pelo meu “eu”, não apenas por determinados órgãos e faculdades. Quisera apresentar interpretações impessoais da realidade, excluindo a participação dos meus sentimentos e, em particular da minha Fé, meu trabalho estaria destinado ao fracasso.
Meu conhecer do real, atingindo as essências dos seres como são em si, é verdadeiro e universal; mas permanece sendo o meu conhecimento, caracterizado pelo meu modo pessoal de conhecer. O meu ver dos seres e dos acontecimentos está, necessária e intimamente, ligado a minha Fé.
A fé ilumina e dirige o meu pensar, o meu julgar e o meu agir. Trazendo consigo certeza e confiança, auxilia a compreensão do que é misterioso e impenetrável ao meu intelecto.
Sou enriquecido pela Fé; permaneço livre para aceitá-la ou recusá-la. Por mais evidente que seja uma verdade a mim revelada pela Fé; posso recusá-la em nome da Razão, embora esta recusa seja irracional.
A fé não inclui crendice e superstição; não exclui crítica e análise. É adesão racional ao testemunho de quem é autoridade.

Credo existencial

Creio no Deus Existente.
Creio no Deus Trino e Uno. Deus que na unidade indivisível de seu Ser, realiza, em mistério, com perfeição infinita a resolução da multiplicidade na unidade. Creio no Deus único, em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo.
Creio no Deus que sendo Eterno, criou o Universo espácio-temporal; no Deus que sendo Transcendente, está presente no Universo, imanente aos seres de suas criaturas e os sustentando na Existência.
Creio no Deus-Pessoal, que criou o homem a sua imagem e semelhança, livre e capaz de amar.
Creio no Deus que é suprema Liberdade e suprema Caridade. No Deus que criou e que sustenta os seres na existência através de Eterno e Livre ato de Caridade.
Creio no Deus que amando suas criaturas, através da Graça eleva a natureza do homem a um nível sobrenatural, deixando-o livre, entretanto para recusar o seu Amor.
Creio no Deus de Caridade, que tendo o homem recusado o seu amor, não o abandona, mas continua a amá-lo e promete-lhe a Redenção através da casa de Davi, esperando que regresse à casa paterna.
Creio em Cristo, que sendo Deus, fez-se homem entre os homens, assumindo a carne e nascendo da Virgem.
Creio em Cristo, que se encarnando torna-se o centro do histórico; em Cristo que elimina o abismo entre criaturas e Criador: nele, o Eterno penetra o espácio-temporal.
Creio em Cristo que nos ensinou a chamar Pai, ao Pai celestial, em Cristo que ganhou para nós a adoção de filhos de Deus, em Cristo que nos incorporou mìsticamente em seu próprio corpo, tornando-nos participantes de sua existência, tornando-nos dignos do amor divino.
Creio no Cristo que nos ensinou Caridade, que existiu Caridade, que nos falou de Caridade. Em Cristo do Sermão da Montanha, do Bom Samaritano, do Filho Pródigo, da Transfiguração, da Ressurreição de Lázaro, da Paixão.
Creio em Cristo, que morreu Caridade.
Creio na Morte de Cristo. Morte que é o Mistério central do cristianismo e da existência. Mistério no qual todos os demais mistérios se concentram e encontram consistência. No qual o Universo em sua totalidade e em profundidade é transformado, elevado, cristianizado, divinizado.
Creio no Calvário, pois no preciso instante de sua morte, Cristo assume todo o passado e todo o futuro; a totalidade do Universo e cada ser particular nele contido; todos os homens e cada pessoa humana em sua individualidade, em seu pecado e em seu amor: oferecendo, num ato Eterno, ao Deus Trino e Uno, seu Ser em Sacrifício. No Calvário, o sacrifício de um homem é sacrifício de um Deus.
Creio no Sacrifício Divino, oferecido no temporal e no eterno, que penetra todos os lugares e tôdas as épocas, conquistando homens para Deus, no presente, no passado e no futuro; incorporando misticamente em Cristo, com Cristo e através de Cristo ao próprio Deus Trino e Uno.
Creio na Morte de Cristo, na qual o mal é conquistado pela Caridade. O pecado é perdoado, a morte é vencida. Na participação na morte de Cristo, pela Caridade e pela Graça, somos perdoados em nosso pecado, superamos nossa própria morte. Porque Cristo é Deus e, porque Cristo ofereceu a si próprio em sacrifício no Calvário, a sobrevivência pessoal, não é desejo irrealizável, não é Esperança sem fundamento; é Esperança no Sacrifício da Cruz.
Creio no Cristo ressurecto. A Ressurreição de Cristo é conseqüência inevitável de sua morte; o Homem-Deus, apenas submetera-se a morte para a conquistar, não poderia permanecer na morte. Assim como participamos na vida e na morte de Cristo, participamos também em sua Ressurreição.
Creio na morte de Cristo, centro existencial da existência do cristão. O cristão aceita a morte de Cristo e nela centra toda a sua existência.
Creio no testemunho de Cristo com todo o meu ser. O ato de Fé realiza-se no mais profundo do ser do homem, envolvendo-o, na totalidade de sua personalidade. A adesão a um testemunho, para ser uma adesão de Fé, deve ser adesão existencial, na qual todo o ser se engaja.
Creio no testemunho de Cristo, porque é testemunho existencial de amor e de esperança. É o amor, é a Caridade que sobrenaturaliza a adesão racional a um testemunho, o sentimento de Fé, transformando-o em virtude teologal, A Fé teologal, vivificada pela Caridade, traz em si a certeza da Esperança. A Fé é Esperança e Caridade.
Creio no testemunho de Cristo e, neste testemunho empenho todo o meu ser. A Fé não exclui a dúvida, mas permanece mesmo no interior da dúvida. A dúvida é sentimento superficial, pois se localiza na parte racional do homem; a Fé é sentimento profundo, pois se enraíza no mais profundo da pessoa humana e a penetra em sua totalidade. Assim, é possível acreditar em meio a dúvida, pois se a Fé for Fé teologal, vivificada pelo amor e unida a Esperança, é capaz de existir no interior da alma humana, mesmo quando na superfície de nosso ser somos levados a duvidar. Mais forte é a Fé que subsiste em meio a dúvida, que a Fé que existe por certeza inabalável. A certeza da Fé é certeza sobrenatural baseada na Graça divina.
Creio no Cristo Místico, na Comunidade de Fé que é a Igreja. Creio na Igreja, em sua face visível, hierárquica, jurídica e, em sua face invisível, mística. Na Igreja, que é o Corpo Místico de Cristo, que contém em si muitos membros que nem suspeitam o serem cristãos.
Creio no Espírito Santo que é o amor do Pai ao Filho, o amor do Filho ao Pai. No Espírito Santo que está presente a Igreja, santificando-a e nela santificando os membros do Corpo Místico.
Creio nos sacramentos fontes da Graça, fontes da Caridade divina; creio na Igreja, sacramento de santificação do Universo.
Creio na Eucaristia, perpetuação do Sacrifício do Calvário, alimento de Caridade, símbolo da união do homem e de Deus.
Creio na Parusia, na segunda vinda de Cristo, quando a vitória sobre o mal, realizada no Calvário, será completa. Creio na transformação escatológica do homem e do Universo, na vinda do Reino Eterno da Caridade.


A Esperança


“... acima da Fé e da Caridade, Péguy coloca a
Esperança, filha predileta do próprio Deus,
que por ela faz correr sobre o mundo o caudal
da sua graça.”( Logos vol. 3 – coluna 35 )

A Esperança é confiança depositada no futuro
Quando em minha vida atravesso instantes amargos, quando me encontro só e desiludido, quando tudo parece estar perdido, a Esperança é minha companheira.
Esperar, contra toda a esperança; esperar, mesmo quando não mais existem razões para esperar, esta é a verdadeira Esperança.
A Esperança quando sólida e profunda, nos fortalece e nos conduz a vitória nas mais árduas batalhas. Mais que isso, nos torna vitoriosos na derrota; nos torna capaz de sobreviver ao fracasso.
O existir não tem sentido sem a esperança; não adianta lutar se não esperarmos a vitória. Em tôdas as minhas ações, tenho uma meta a alcançar; se ajo é porque espero o triunfo, sabendo correr o risco do insucesso.
Assim como a Fé fortalece e ilumina o intelecto, a Esperança fortalece e ilumina a vontade.
A Esperança é companheira inseparável da Fé. Não existe Fé sem Esperança, Esperança sem Fé.
A presença da Esperança invade e transforma todos os domínios da existência.
Existe Esperança em quem se prepara para um exame, para um passeio, para um negócio. Existe Esperança em quem pretende superar um obstáculo, em quem quer vencer uma dificuldade.
Existe Esperança, também, naquêle que fracassa em sua tentativa para superar o obstáculo que se colocara em seu caminho ou, para resolver suas dificuldades, mas, espera sobreviver ao fracasso.
A Esperança, assim como a Fé, quando penetrada e vivificada pela Caridade é transformada em virtude teologal. Como a Fé, a Esperança enraíza-se no mais profundo do ser humano e, penetra-o em sua totalidade.
A esperança teologal fundamenta-se no Sacrifício da Cruz, espera porque crê, crê porque ama. A Esperança é Fé e Caridade.
É a virtude da Esperança que nos faz acreditar em nossa própria imortalidade, continuando a existir na Eternidade, quando nossa existência espácio-temporal se findar.
A Esperança nos encoraja e nos fortalece em nossos projetos para o futuro; a Esperança teologal ultrapassa a barreira do tempo e aponta a Eternidade.

Hino à Esperança


Espero em ti, Senhor.
Espero na presença do sofrimento, quando encontro multidões de cegos, de surdos, de enfermos, de famintos, de sedentos, de desabrigados, de moribundos.
Espero na presença da perseguição, quando vejo a Igreja perseguida em seus membros. Perseguida por aqueles que se declaram seus inimigos, por aqueles que clamam serem seus protetores.
Espero na presença das calamidades, das pestes, das guerras, das tragédias. Espero na presença do bem estar econômico, do progresso técnico, do conforto material que muitas vezes são acompanhados pela lassidão moral.
Espero na presença do pecado, espero pelo pecador. Espero que da lama do vício o Filho Pródigo levante-se e retorne a Casa Paterna, que aceite o convite de Cristo de participar em sua Cruz.
Espero pelo pecador, mesmo quando se recusa a arrepender-se, mesmo quando satisfeito em seu pecado. Espero que no interior de seu ser, permaneça vontade suficiente para responder livremente em Caridade a Caridade de Cristo.
Espero na presença de meus pecados, de minha miséria, de meu nada. Espero por mim e por meu próximo.
Espero em ti Senhor.
Na presença da Morte, espero na Morte de Cristo.
Na presença da morte do inocente, do pequenino morto imaculado, sem a mancha do pecado, espero na Caridade do Senhor.
Na presença da morte do justo, daquele que seguiu em sua vida os caminhos da Moral e da Religião, espero na Caridade do Senhor.
Na presença da morte do pródigo, daquele que soube vencer o pecado, que se arrependera do mal cometido, espero na Caridade do Senhor.
Na presença da morte do cristão, daquele que recebera a graça do Batismo e participara do Banquete Eucarístico, espero na Caridade do Senhor.
Na presença da morte do pagão; pois, por ventura, batizado em desejo; sem que o saiba, êle também seja cristão, espero na Caridade do Senhor.
Na presença da morte do pecador, daquele que não quisera se arrepender. Porque, talvez, não sabe o que faz, talvez se arrependa no instante derradeiro, espero na Caridade do Senhor.
Na presença da morte do suicida, pois quiçá, seu gesto haja sido motivado por falta de razão, por falta de liberdade interior, espero na Caridade do Senhor.
Na presença da morte do santo, daquele que se dedicou sua vida a Cristo e que talvez mesmo, haja sofrido o martírio por Cristo, espero na Caridade do Senhor.
Na presença da morte de meu próximo, de meu amigo, de meu irmão, espero na Caridade do Senhor.
Na Caridade do Senhor, espero, em tremor, quando sinto dia a dia, instante a instante, aproximar-se inevitável e ameaçadora minha própria morte.


A Caridade

1. – A mais perfeita realização do amor é a Caridade.
Caridade é o amor de Deus ao homem e o amor dos homens a Deus; é o amor do homem ao próximo, quando reconhece neste a imagem de Deus.
A Caridade fortalece e ilumina o ser do homem em sua totalidade existencial.
A Caridade é capaz de neutralizar o próprio pecado, porque amando a Deus o homem reconhece o próprio pecado e arrepende-se; amando aos homens, Deus escuta o homem e perdoa a ofensa cometida. Sem o amor divino, o homem após o pecado estaria condenado a existir encerrado na presença angustiante de seu próprio mal. Através do arrependimento e do perdão, através, portanto do Amor, o homem retorna a presença do bem, livra-se do mal em que tivera sido lançado pelo próprio pecado.
É a confiança no Amor divino, que nos propicia a Esperança de vencermos a própria morte, continuando a existir no Eterno, após nossa passagem pelo espácio-temporal tiver se encerrado.
A constatação da presença do Bem no Universo e entre os homens, alimenta e fortalece nossa Fé e nossa Esperança no amor divino.

2. – Caridade é amor, amor de Deus aos homens, dos homens a Deus.
A Caridade é a graça divina, que através de Cristo é derramada sobre os homens, elevando-os a uma vida sobrenatural, unindo-os misticamente a Cristo, tornando-os participantes da própria existência divina.
A Caridade é o convite de Deus ao homem para participar no banquete celestial, é também, a resposta do homem a Deus, aceitando o convite divino.
A Caridade é o diálogo entre duas liberdades, a Liberdade ilimitada de Deus, a liberdade limitada do homem. Caridade é livre, livre na mais perfeita e completa maneira: Deus não pode ser limitado em sua Liberdade, assim sua Caridade é Liberdade absoluta; o homem é movido pela graça divina a responder o convite de Deus, mas é deixado livre para escolher sua resposta. Somente num ato de perfeita Caridade ou, na recusa total da Caridade, é capaz o homem de agir com completa Liberdade.

A Caridade é a criatividade amorosa de Deus a penetrar o homem e o Universo, a estabelecer continuamente o reino do Amor. A Caridade é a livre participação do homem na criatividade divina, a permitir o ser transformado, elevado, divinizado pelo Espírito Santo, pelo Deus que é Caridade.
A Caridade é a seiva vivificante que torna as virtudes, virtudes; que traz valor a nossos atos, tornando-os criativos e eternos.
A Caridade é o reconhecimento amoroso da divindade de Cristo; é a confiança irrestrita depositada em seu Amor. Caridade é Fé e Esperança.
É a Caridade que transforma o homem num “Alter Christus”. A Caridade é a imitação de Cristo.

Caridade.

= Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco. Anunciara o Anjo do Senhor a Maria.
= Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a Sua vontade
x x x
Há muito tempo que o garotinho sonhava com uma maçã. Era pobre e não podia comê-la tão freqüentemente como os meninos ricos. Para êle esta maçã significava muito e êle antes de mordê-la estava a olhá-la, como se o mantê-la demoradamente em suas mãozinhas a fizesse mais saborosa.
Aquela menina olhava para a maçã com olhitos cobiçosos. O garoto olhou uma vez mais para a sua maçã e a deu à pequenina, talvez outro dia viesse a ganhar outra maçã.
x x xFrancisco havia dado generosa esmola ao leproso e preparava-se para ir-se. Neste momento, Francisco reconheceu no leproso a Cristo, naquelas chagas asquerosas encontrava-se Jesus. Não dissera o Mestre que o que fizéssemos aos enfermos, aos famintos, aos sedentos a êle o faríamos? Não era aquele leproso a imagem de Cristo? Não era êle o próprio Cristo a esperar pela Caridade de Francisco?
Francisco já havia socorrido o leproso, mas não estava satisfeito. A Cristo queria dar-se completamente, a Cristo queria demonstrar inequivocamente o seu amor.
Francisco desce do cavalo e beija as chagas da lepra.
x x xCristo estava suspenso na Cruz. Em sua frente aquela multidão ingrata que viera a vê-lo morrer. Por seus olhos toda a multidão de pecadores, daqueles que o condenaram a morte.
= Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.
x x xA garotinha estava a brincar, volta-se e vê sua mãe sentada na cadeira.
A garotinha deixa seus brinquedos e corre a abraçar sua mamãe.
x x x= Pedro amas-me mais do que estes? Perguntara pela terceira vez o Senhor.
= Sim, o Senhor sabe que eu o amo.
x x xJoão Batista Vianney, após anos de dificuldades conseguira ordenar-se e, agora ali estava as portas de Ars onde deveria cumprir sua missão apostólica.
Naquele momento o Cura D’Ars assumiu todos os seus sacrifícios do passado e toda a sua esperança no futuro, caiu por terra e pediu a Deus pelo povo de Ars.
x x x Havia sido lançado na prisão. Por que?
Porque lutara pelos injustiçados, não havia se calado frente aos poderosos.
Estava contente, na prisão poderia sofrer um pouco pelos pobres do Senhor, poderia participar com seu sofrimento do sofrimento de Cristo.
Estava confiante de que a justiça de Cristo seria restabelecida.
x x xNão há maior prova de amor do que dar a vida por um amigo, já dissera Cristo.
No Calvário, no supremo ato de Caridade, Cristo pronuncia:
PAI, EM TUAS MÃOS ENTREGO MEU ESPÍRITO.

¨Se eu quisesse expressar a Mensagem de Cristo
numa única palavra; se eu quizesse reduzir todo
o Mistério do Ser e do Existir nesta mesma
palavra, eu pronunciaria CARIDADE”.

Saudades

“A Saudade pelo desejo é esperança,
pela dor é lembrança”.- Pascoaes

1. - Dentre os mais nobres sentimentos que habitam a alma humana, um caracteriza de modo particular o homem luso-brasileiro, é o sentimento da Saudade.
Analisado em profundidade pelos mestres portugueses, dentre os quais Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Afonso Botelho e a quem declaro minha admiração, quero também me baseando em suas reflexões e em minha própria vivência, dar a minha contribuição para este tema tão caro a portugueses e brasileiros.

2. - Iniciarei minha reflexão analisando dois pequenos poemas escritos por minha mãe, que transcrevo abaixo:

SAUDADES
30 / 01 / 1966

a) Não é passado é
presente
Que fica na mente
da gente
É uma imagem querida
Que faz da dor
Alegria
Eco de amor
e de vida

b) Tudo passa nesta vida
A dor, o amor, a alegria;
Só a saudade que fica,
Cheia de encanto e poesia
Oculta na alma ferida.

A primeira característica da Saudade que os poemas nos mostram é a sua permanência: na primeira poesia deixa de ser passado, torna-se presente que fica, presente que não se dilui, mas permanece; na segunda mesmo quando tudo passa até mesmo a dor, o amor e a alegria, a Saudade permanece.
A segunda característica é a magia que transforma a dor em alegria, no primeiro poema e, que no segundo, oculta, na alma ferida, seu encanto e poesia.
Pela permanência, a Saudade escapa da lei do tempo, que nos ensina que tudo passa, e que o presente se torna passado e deixa de existir; assim a Saudade, tornando o presente permanente, nos remete para o Eterno. As pessoas e, em menor grau, os acontecimentos de que temos Saudades, para nós ganham um quê de Eterno.
Pela magia nos leva ao sonho, com todo o seu simbolismo. Os mortos ganham vida e, sua presença saudosa é mais real que sua ausência. Por sua magia, a Saudade faz-nos acreditar na continuidade da vida daqueles que amamos, na sua imortalidade. Faz-nos dialogar com os mesmos pela oração, e nos dá esperança de os reencontrarmos.
Por sua permanência e por sua magia, a Saudade superando os limites temporais não permanece no passado, como as recordações; mas, também não permanece no presente; busca o futuro, o futuro eterno, onde todos permaneceremos na existência a fluir de nosso relacionamento no Amor.
Na Saudade encontramos lado a lado a vida e o amor, a dor e a alegria, o encanto e a poesia como nas poesias acima, escrita por quem apenas viveu a Saudade, pois nunca leu ou estudou nada do que se refere a mesma, seu grau de escolaridade era primário, mas sua sabedoria adquirida na vivência do amor era imensa. Como minha mãe, muitas outras pessoas sem muito estudo nos falam da Saudade com simplicidade, mas com muita propriedade, pois o luso e o brasileiro compreendem a Saudade, antes por senti-la, do que por estudá-la ou descreve-la.

3. - A Saudade dá-nos força para suportarmos a ausência e a distancia do que amamos, por mais que esta ausência dure, por mais que esta distancia seja grande; é o que nos mostra em seus poemas Casimiro de Abreu, o poeta da Saudade.
Em Minha Terra, nos seus últimos versos, o poeta nos diz: 

“E como a juriti, - longe dos lares –.
Nunca mais chorarei por meus cantares
Saudades do meu ninho“.
Em Meus Oito Anos, sua última estrofe:

“Oh Que saudades que tenho
Da aurora de minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!“.

Assim como nestes dois trechos, tôda a poesia de Casimiro de Abreu canta o sentimento saudoso de quem por tanto tempo viveu no exílio.

4. – A Saudade muitas vezes vem repleta de amargor, mas, muito pior é nada ter para sentir Saudades, como nos mostra poeticamente Pablo Neruda. Neste poema Pablo Neruda nos coloca frente a dialética da presença do ausente, da superação dos limites do tempo, pela permanência de um passado que ainda não passou e a presença do amor que permanece amenizando a dor daquele que perdeu seu amado. Terminando por lamentar a dor daquele que não tem por quem ter Saudades.

Saudades

Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não
foi embora, mas o amado já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou, é recusar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam, é a dor dos que ficaram para trás, é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
E êsse é o maior dos sofrimentos: não ter por quem sentir saudades, passar pela vida e não viver. O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

5.- A Saudade sem estar penetrada pelo amor não é Saudade, é simples recordação. O sentimento do amor integra a Saudade, assim também a integram a Fé e a Esperança.
A Fé, por acreditar na presença de quem está ausente, por acreditar em sua permanência na vida, numa vida de sonho, mais perfeita que a atual.
A Esperança, por acreditar que o “paraíso perdido” ainda existe no coração e nos sonhos dos homens, por esperar pelo realizar no tempo escatológico de todos êstes sonhos.
Por sua magia, a Saudade nos transporta para um mundo de sonhos e de esperança; que nos faz acreditar, no concretizar na Parusia, o Paraíso do Éden que hoje permanece como recordação saudosa da humanidade.
A Saudade quando vivida conscientemente no cultivo de nosso relacionamento profundo com aqueles que amamos e que ausentes por sua morte, se fazem presentes no sentimento saudoso; quando em relação com as virtudes teologais da Fé, da Esperança e da Caridade, deixa de ser puro sentimento para tornar-se ela também uma virtude que nos coloca em contato com a Eternidade.
Ao lado da Justiça, da Fé, da Esperança e da Caridade, a Saudade merece ser incluída entre as virtudes que dignificam o homem.