Espácio - Temporalidade

1. Espacialidade – Ao considerar a minha espacialidade, não é meu objetivo conhecer as dimensões de meu corpo, nem as distâncias físicas que o separam dos seres exteriores; mas, focalizar minha atenção na relação espacial dos seres exteriores com meu eu interior.
Um determinado ser está próximo ou distante do meu eu, dependendo da minha atenção e interesse no mesmo. Assim, num cinema, enquanto minha atenção estiver concentrada na tela, as figuras dos artistas estarão mais próximas do meu eu interior que o espectador localizado a meu lado, embora êste, fisicamente, esteja mais próximo do que a tela.
Do mesmo modo, quando residi em outro país, dirigia constantemente meu pensamento para minha pátria, recordando saudoso fatos anteriores à minha partida, esperando ansioso pelo dia de meu regresso. Minha estadia naquele país era acidental; se fisicamente lá se encontrava, todo o meu ser em minha pátria se enraizava. A distância que me separava dos meus era ainda menor que a distância que me separava daqueles com quem convivia.
As relações espaciais, quando consideradas sob o aspecto espiritual, como relação de essência, na qual o sujeito torna presente ao seu eu, o ser de sua atenção, divergem das relações espaciais consideradas fìsicamente.

2. Espaço-pessoal – Os seres exteriores localizam-se no espaço que me é exterior; as suas posições espaciais, bem como as distâncias físicas que os separam de mim e, que os separam entre si, não dependem do meu eu.
Entretanto, quando através de meu interesse e de minha atenção, estabeleço, com os mesmo, relações de espacialidade, de certa maneira os espacializo, organizando-os em torno de mim próprio, de acôrdo com o maior ou com o menor significado que a êles atribuir.
Assim, constituo e organizo o meu “Espaço-pessoal”, que se distingue do espaço-em-si; porque enquanto neste as relações espaciais entre os seres baseiam-se nas distâncias físicas, naquele, estas relações baseiam-se em minha própria espacialidade.
Mas, se sou capaz de organizar meu espaço-pessoal, é porque sou capaz de consciencialização dos seres exteriores; assim, outros seres, capazes de consciencialização, também são capazes de organizar em tôrno de si espaços-pessoais.
Êstes espaços-pessoais, sendo baseados na apreensão de cada ser-consciente, são divergentes na medida em que é divergente a apreensão de cada ser-consciente.
O espaço-pessoal de cada ser consciente distinguir-se-á do espaço-em-si, devido tanto à incapacidade de perfeita apreensão dos seres exteriores, como à diversidade de interesse e atenção depositada em cada ser particular.
Da mesma forma que, ao organizar meu espaço-pessoal, incluo no mesmo os demais seres conscientes, contigentes e espaciais, também sou incluído por êles em seus espaços-pessoais, quando sou objeto de sua atenção e de seu interesse.

3. Temporalidade – Ao focalizar a temporalidade, não é meu objetivo a consideração do período transcorrido entre dois acontecimentos, segundo determinado sistema de medição temporal e, em relação ao movimento dos corpos materiais (tempo físico); não é também o estudo de nossa percepção da sucessão temporal em relação aos nossos estados de alma (tempo psicológico); nem o conhecimento abstrato do tempo-
em-si (tempo ontológico). Mas, o focalizar minha atenção na relação temporal existente entre meu eu interior e acontecimentos presentes, passados e futuros, quer interiores, quer exteriores ao meu próprio eu.
Tendo sido originada no passado, dirigindo-se para o futuro, minha existência tem transcorrido inevitàvelmente no presente.
Neste determinado instante, todo o meu passado e todo o meu futuro, bem como todo o passado e todo o futuro de todos os seres se concentram. Cada instante reúne em si presente, passado e futuro, como se o que é essencialmente sucessão coexistisse simultaneamente.
O presente em que vivo, considerado sob o aspecto de minha temporalidade, ou melhor, de minha espácio-temporalidade, é o centro da imensidade espácio-temporal. Porque consciente e livre, capaz de conhecer e de decidir o meu agir, encontro-me constantemente no centro do Universo.
Êste centro é o meu eu neste instante presente. O que sou agora devo ao que construi, livre e conscientemente, com o que recebi; ao agir, assumo o passado e projeto o futuro.
Minha percepção do transcorrer é iniludível; contudo, passado é morta recordação, futuro simples imaginação. Isto porque na realidade nunca vivi no passado, nem nunca viverei no futuro; os instantes que em relação a êste instante encontram-se no passado ou no futuro, os vivi ou viverei no presente.
Na sucessão temporal, os instantes não se repetem, mas sucedem-se uns aos outros. Aqueles instantes que já se realizaram no passado, nunca voltarão a serem realizados; aqueles instantes a serem realizados no futuro, o serão uma única vez.
Em meu existir, e no existir de todos os seres temporais, os atos realizados, o são definitivamente. Mesmo quando performo uma ação que exteriormente é idêntica a uma ação praticada anteriormente, esta permanece sempre sendo original; assim, o ato de levantar-me tôdas as manhãs, não é simples repetição de um mesmo ato, pois cada vez que o realizo, o realizo em diferentes momentos e sou mais velho do que quando o realizara anteriormente.
Embora o instante em que vivo se constitua naquele decisivo e no único em que posso existir, êste instante não pode ser destacado da duração temporal. Meu agir atual apenas atinge completo significado, se relacionado com o passado e com o futuro, principalmente com aqueles instantes decisivos nos quais algo de importante foi ou será vivido. Entre êsses instantes encontram-se os acontecimentos limites: o próprio nascimento, o despertar da humanidade, o início do Universo; a própria morte, a extinção da humanidade, a destruição do Universo.
Sob o aspecto da temporalidade, não se deve considerar os acontecimentos em relação a distância que nos é dada pela cronologia, mas em relação à influência dêsses acontecimentos no presente. Assim, por exemplo, o Cisma do Oriente e a Reforma Protestante, no passado; a Reunificação da Cristandade, no futuro, são acontecimentos bem atuais, influenciando o agir da Igreja no presente.

4. Espácio-temporalidade – Enquanto existente no espaço e no tempo, sou essencialmente um ser espácio-temporal. Estou determinado a existir no espaço e no tempo, incapaz de libertar-me de minha própria espácio-temporalidade.
Antes de ter início minha existência temporal, eu não existia; o após-morte permanece envolto em denso mistério.
Nesta auto-reflexão, em que procuro compreender-me melhor, reflito sobre minhas experiências transcorridas em meu existir no espaço e no tempo. Assim, mesmo o que é essencial ao meu ser, enquanto existindo sob as condições em que existo, talvez não o seja caso minha existência transcenda a dimensão espácio-temporal.
Existindo no após morte sob outras circunstâncias, profundas modificações afetariam meu ser; porém, o mais profundo de meu “eu” permaneceria: caso contrário, eu não mais seria.
Limitado em meu conhecer, ao que me é fornecido através do espácio-temporal, mesmo quando focalizo o que lhe é transcendente, o faço condicionado pela minha própria espácio-temporalidade. Limito-me a procurar compreender-me e, através de mim, compreender os outros homens, dentro dos limites que me são impostos por êste condicionamento.